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Bom dia, amigos.
Ontem coloquei aqui um post sobre a tremenda asneira que foi a guerra levada a cabo no Afeganistão, com a factura em vidas humanas e perda de recursos que seriam muito melhor aplicados em algo mais útil.
E há tanto onde investir dinheiro!
A começar pelos que morrem de fome e estão doentes por esse mundo fora…
Dito isto, quero deixar bem claro que não nutro qualquer simpatia pelos talibans.
A razão?
Porque não gosto de extremistas, sejam eles de extrema-esquerda, de extrema-direita, radicais cristãos ou radicais muçulmanos.
E os talibans estão entre os mais extremistas dos extremistas.
Além disso, são feios, porcos e maus.
Não sei, mas tenho quase a certeza que o mestre Ettore Scola se deve ter inspirado neles para realizar aquele filmão que a todos nos deliciou.
Mas quem é realmente esta gente e o que pretendem?
Vejamos.
Todos sabemos que os talibans já tinham sido donos e senhores do Afeganistão antes do 11 de Setembro.
Contudo, devido à amplitude desses ataques terroristas, levados a cabo pela al-Qaeda de Bin Laden em solo americano, o então presidente George W. Bush achou por bem cortar o mal pela raiz – se os terroristas tinham santuários em solo afegão, pois bem, os americanos iriam invadir o país e acabar de vez com os talibans.
Os talibans (ou “estudantes”, em língua pashtum) surgiram no início dos anos 90 no Norte do Paquistão logo após a retirada das tropas soviéticas.
Surgiram à sombra de seminários religiosos (madrassas) que ensinavam uma variante radical do sunismo (o wahabismo), sendo subsidiados com dinheiro vindo da Arábia Saudita, onde aquela corrente é dominante.
O seu objectivo era já claro: conquistar o poder em Cabul e, uma vez ali instalados, impor a Sharia (ou Lei Islâmica) em todo o país.
Depois de atravessarem facilmente a porosa fronteira paquistanesa, os “estudantes” (de Teologia, claro) apoderaram-se com relativa facilidade do Sudoeste do Afeganistão e, em Setembro de 1995, conquistaram a sua primeira capital provincial – Herat.
Apenas um ano depois já estavam em Cabul, onde depuseram o regime do presidente Burhanuddin Rabbani, um dos líderes dos mujahedines (ou “guerreiros sagrados”) que se tinham oposto à invasão soviética.
Refira-se que na generalidade o povo afegão estava então de rastos devido à destruição causada pela invasão soviética.
Por outro lado, estava farto dos excessos levados a cabo pelos mujahedines, que se achavam donos do país.
Não constituiu assim surpresa que os talibans fossem inicialmente vistos como uma espécie de libertadores, até porque os “estudantes” combatiam de facto a corrupção e asseguravam a liberdade de circulação de bens e mercadorias, o que permitiu que o comércio florescesse.
Depressa porém os talibans mostraram ao que de facto vinham – a sua estrita interpretação da Sharia levou a que fossem introduzidas novas e severíssimas medidas – quem desrespeitasse a Lei Islâmica corria um sério risco de ser alvo de execução pública (à pedrada, no caso das mulheres, para os casos de adultério) ou de ser amputado à força e a sangue-frio caso fosse acusado de roubo (brrrr… que medo!).
Ao mesmo tempo, os homens foram “aconselhados” a deixar crescer a barba e as mulheres obrigadas a usar burka, que as cobria da cabeça aos pés, não fossem quaisquer dois centímetros quadrados de carne descoberta tentar algum exemplar da predadora raça masculina.
Como se não bastasse, os “estudantes” também acharam por bem proibir a televisão e os cinemas.
Ao mesmo tempo, todas as meninas com 10 ou mais anos foram impedidas de frequentar as escolas.
Para além disso, começaram a destruir todo e qualquer património cultural que, no seu entender, não seguia os preceitos wahabitas, como sucedeu em 2001, quando arrasaram as famosíssimas estátuas de Buda no Centro do país, o que gerou um coro de críticas internacionais.
Do outro lado da fronteira, o Governo de Islamabade jurava entretanto a pés juntos que o Paquistão nada tinha a ver com os talibans, mas a verdade é que as madrassas paquistanesas (os tais seminários religiosos) continuavam a despejar torrentes de novos “estudantes” de Teologia em território afegão, em boa parte graças ao apoio mais ou menos descarado do ISI, os tenebrosos serviços secretos do Paquistão.
O Paquistão foi aliás, a par da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, um dos poucos países que reconheceu o regime dos talibans.
O caldo entornou-se quando os “estudantes” tentaram igualmente conquistar o poder em Islamabade.
Os paquistaneses acharam que de mais era de mais e deram inclusive autorização aos americanos para que os drones destes pudessem sobrevoar livremente território do Paquistão, o que levou à neutralização de vários líderes talibans, inclusive do seu guia, o mullah Haki Mehsud.
Claro que os diferentes serviços secretos, designadamente a CIA e o FSB (herdeiro do KGB), olhavam com muita desconfiança para o que se passava em território afegão e nas montanhas do Leste do Paquistão.
No caso dos russos, estes temiam que os “estudantes” pudessem exportar as suas teses revolucionárias do islamismo para regiões da federação onde os muçulmanos constituem a maioria, como sucede por exemplo na Chechénia ou no Daguestão (refira-se que 14% da população russa professa a fé muçulmana).
Já no que diz respeito aos Estados Unidos, os receios eram outros.
Temia-se essencialmente que os extremistas pudessem levar a cabo ataques terroristas em solo americano.
E receava-se basicamente uma eventual acção da al-Qaeda, grupo terrorista liderado pelo wahabita saudita Bin Laden, cujos efectivos treinavam livremente em território afegão.
O resultado foi o que se viu.
Claro que os americanos não perderam tempo a querer vingar os ataques do 11 de Setembro.
Logo no início de Outubro de 2001, forças dos Estados Unidos lançaram violentos ataques contra os talibans.
O regime colapsou rapidamente.
O seu líder, o mullah Mohammad Omar, arranjou contudo artes de se escapar para as montanhas paquistanesas, tal como aliás fez o próprio Bin Laden (que como sabemos foi assassinado em Maio de 2011 na sequência de um raide da CIA e de forças especiais americanas no Paquistão).
Graças aos apoios que ainda tinham em solo paquistanês, os líderes talibans instalaram-se tranquilamente na cidade de Quetta, de onde, apesar dos protestos americanos junto de Islamabade, continuaram a liderar as acções dos “estudantes”.
A verdade é que, apesar de todos a parafernália militar posta no Afeganistão pelos americanos e pelos seus aliados, os talibans continuaram a exercer considerável influência nas montanhosas zonas rurais.
Rapidamente os ocupantes ocidentais descobriram que, tal como sucedera com os soviéticos, tinham de ficar remetidos às principais cidades se tinham amor à pele.
Em 2015, entretanto, os talibans reconheceram que tinham perdido o seu líder, o mullah Omar, que morreu pacificamente devido a problemas de saúde num hospital do Paquistão.
Mas rapidamente encontraram um novo chefe – o mullah Mansour, que fora o braço direito de Omar.
Ao mesmo tempo, no terreno, apoderaram-se de Kunduz, uma capital de província afegã de grande importância estratégica.
Foi um importante ponto de viragem na guerra.
No ano seguinte, todavia, os “estudantes” sofreram um revés considerável – o mullah Mansour morreu na sequência do ataque de um drone americano.
Mais uma vez, os talibans não se atrapalharam e escolheram um novo líder, o adjunto de Mansour: Mawlawi Akhundzada, que é o actual homem-forte dos talibans.
A partir de 2018, tornou-se claro para os americanos que não poderiam ganhar aquela guerra, que durava já há demasiado tempo e custava uma fortuna.
Estabeleceram-se tímidas conversações de paz no Qatar e chegou-se a um princípio de acordo: o então presidente Donald Trump garantiu que as suas tropas abandonariam gradualmente o país, saindo de vez em 2021.
Em troca, os “estudantes” comprometiam-se a não atacar as forças ocidentais.
Os talibans aceitaram a proposta americana, mas rapidamente mudaram de alvo – passaram a atacar jornalistas afegãos, juízes, activistas em prol da paz e mulheres em posições relevantes.
Em suma, todos que pudessem de alguma forma contrariar os seus desígnios quando estivessem de novo no poder em Cabul.
O calendário da retirada americana acabou por ser cumprido, não obstante os apelos desesperados dos responsáveis afegãos, que alertaram que o regime não conseguiria sobreviver sem ajuda internacional.
Esses alertas caíram em saco roto.
Em Abril deste ano, o novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, reiterou que não haveria qualquer soldado americano no país depois do próximo dia 11 de Setembro, exactamente 20 anos depois do ataque às Torres Gémeas.
O resultado de tudo isto está à vista – os “estudantes” estão de novo no controlo de Cabul e mais fortes do que nunca, graças aos seus 85 mil efectivos, uma força temível com 20 anos de experiência de guerra.
Todo um povo está agora na expectiva.
Os talibans voltarão a repetir as patifarias de outrora?
Resta esperar para ver.
Mas eu apostaria que sim.
O que nasce torto tarde ou nunca se endireita.
Uma boa quarta-feira para todos.
(da página do Facebook de Jorge Alves).
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- Pedro CoimbraUm trilião de dólares que enriqueceu uma cambada de cleptómanos e equipou um exército que agora os talibãs vão usar.1
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- ActiveLuis Almeida PintoA Indústria da Guerra, Pedro, cujo lobby é poderosíssimo, e determina as guerras que o Mundo e as Pessoas são obrigadas a suportar…1
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