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Da professora Mafalda Miranda Barbosa, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que subscrevo integralmente:
“A honra, quer se trate da honra-reputação, que nasce da consideração do conjunto de relações interpessoais, quer se trate da honra como aspeto da personalidade de cada um, inato, radicado na sua ineliminável dignidade ética, indiferente ao valor social, é um bem jurídico fundamental, podendo a sua violação gerar, para o lesante, responsabilidade civil e, inclusivamente, penal. Não é, por isso, possível imputar a uma pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto ofensivo da sua honra ou consideração. Neste contexto, o direito mostra-se particularmente atento à simples suspeição: a imputação de um facto sob o manto perverso da suspeição é tão desvaliosa como a imputação de um facto que não careça da mínima dúvida. O Professor Faria Costa ensinava nas suas aulas do quinto ano que “qualquer aprendiz de maledicência e muito particularmente o senso comum sabem que a insinuação, as meias verdades, a suspeita, o inconclusivo são a maneira mais conseguida de ofender quem quer que seja. Basta que nos capacitemos de que à meia verdade é sempre difícil responder ou contra-argumentar racionalmente e, por isso, a ressonância desonrosa, ligada à ofensa, multiplica-se com credibilidade, porquanto ali há um pouco de verdade”. Nos últimos tempos tem-se assistido a isto mesmo: a partir de uma pequena verdade – existe pedofilia no seio da Igreja Católica, como existe nos hospitais, nas escolas, nos clubes desportivos, na política, na diplomacia, nas famílias – gera-se uma narrativa de suspeição que atinge, coletivamente, todos os sacerdotes e, institucionalmente, a própria Santa Madre Igreja. A ressonância desonrosa propaga-se por via dos meios de comunicação social, cujos critérios deontológicos parecem ter ficado perdidos no tempo: em vez de um relato fidedigno do que se passa, a media deleita-se com o uso e abuso de parangonas acossadoras dos predadores que não o são, debitando números comprovadamente falsos, sem nunca se questionar por que razão os resultados a que chegou a comissão dita independente não são credíveis. Mas, mais do que isso, o «diz-se», outrora conotado como um boato, já de si insidioso, é agora critério bastante para a própria comissão elaborar listas de pretensos abusadores, sem se preocupar em saber se existem, se estão vivos, se ainda são efetivamente ministros ordenados. Ontem, ficámos a saber, através de um comunicado do próprio, que um sacerdote com uma notabilíssima ação pastoral e social da diocese de Lisboa foi afastado preventivamente do exercício público do ministério sacerdotal por força da sua inclusão na lista de padres pedófilos no ativo elaborada pela comissão. A inclusão foi o resultado de uma denúncia anónima, que não identificava a vítima, o lugar e o modo de perpetração do facto imputado ao clérigo. Perante a inconcludência da denúncia, caberia à comissão, agindo segundo critérios de direito ou do direito, agir em conformidade com a falta de indícios da prática do crime. Não basta que alguém diga algo para que possamos considerar positivamente o facto, mesmo com invocação de um legítimo interesse. Teremos de, em boa fé, poder reputar tais factos como verdadeiros. E, em rigor, nada, absolutamente nada, aponta para a veracidade do relato anónimo. Aliás, tendo em conta, como o próprio Daniel Sampaio refere, que um pedófilo reitera os seus comportamentos vezes sem conta, é um pouco estranho que muitos sacerdotes visados, incluindo o último padre citado, tenham cometido abusos na década de 90 (ou antes) e depois dessa data nenhum registo de conduta imprópria exista. E, tendo em conta que os testemunhos de todos os paroquianos, que ninguém se interessou em ouvir, é um pouco bizarro que apenas uma criatura, que ninguém sabe quem é e pode ter sido motivada por desígnios insondáveis, possa pôr em causa a vida sacerdotal de alguém. Por isso mesmo é que uma denúncia anónima nunca deve ser valorada, sem prévia indagação dos factos que transporta. Porque, de outra forma, sem nomes, sem vítimas, sem factos, destrói-se a reputação de uma pessoa, compromete-se a sua vida, sem que esta tenha sequer a possibilidade de se defender cabalmente. A Comissão Independente não entendeu isso, não entende isso, na sua senha persecutória. Está à vista de todos a falta de credibilidade do relatório que apresentou. A pergunta que me assola é: não se conseguindo provar a prática dos factos imputados anonimamente aos sacerdotes, estará a comissão, atenta a violação grosseira das mais elementares regras da investigação e da salvaguarda da honra, disposta a indemnizar os lesados? Uma garantia os seus membros terão, pelo menos: o acesso ao contraditório viabilizado pelos tribunais!”
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