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O pensamento deplorável do ministro da Educação
A entrevista que João Costa deu ao Expresso da passada semana é um desfile de imprecisões, manipulações e falsidades. É um apontar de dedo a outrem, como se ele não fosse corresponsável pelos danos que a Educação sofreu nos últimos seis anos.
Perguntado sobre se o ministério não teria acordado tarde para o problema da falta de professores, João Costa respondeu que “esta equipa chegou e começou a tomar medidas, como permitir completar horários…”. Ora “esta equipa” é ele e outro, que promoveram as iniciativas trapalhonas, transbordantes de ilegalidades, que abordei no meu último artigo, para ultrapassar as maldades perpetradas pelas duas equipas anteriores … de que ele foi parte integrante. Querem maior cinismo e manipulação? E logo a seguir gabou-se de ter feito “um recenseamento do problema”. Como assim? Se há coisa que não falta são recenseamentos sucessivos, feitos por muitos, há anos e em areópagos diversos.
Mais à frente, confrontaram-no com a ideia de que a docência é pouco valorizada e perguntaram-lhe como se recupera o prestígio perdido. Não respondeu e optou, hipocritamente, por contribuir ainda mais para a degradação em análise, dizendo que “a formação [dos professores] tem de ser reconfigurada” porque “foram formados para serem professores de bons alunos”. E para que ficasse bem explícita a enormidade da acusação que acabava de fazer, complementou-a assim: “Era como formar médicos para verem só pessoas saudáveis”.
Naturalmente que a remuneração dos professores foi abordada. E o que é que está implícito na resposta e na metáfora (“… a carreira esteve parada muitos anos e só descongelou em 2018…”) que o ministro usou para referir o roubo do tempo de serviço com que foi conivente? Que um salário de 1000 euros no início da carreira ou de 1400 a meio não são maus, quiçá mais do que merecem professores impreparados para lidar com os problemas sociais das escolas e dos alunos, impreparação que levianamente lhes atribuiu no decurso da entrevista.
Surpreenderam-me estes nacos de pensamento do ministro? Não, porque já recentemente, na Sala do Senado, na sessão nacional do Ensino Básico do Parlamento Jovem, se havia referido a uma escola como espaço de silêncio e a um ensino que visa formar “enciclopédias com pernas”. Como se tais clichés pudessem caracterizar a escola e o trabalho dos professores que, em má hora, passou a tutelar. Como se a sua missão fosse vilipendiar professores diante de uma assembleia de alunos. Simplesmente sórdida tal intervenção!
E não ainda porque, numa abordagem meramente administrativa, igualmente recente, relativa à revisão do regime de mobilidade dos professores doentes, o Ministério da Educação propôs um sistema por quotas e quis que a graduação profissional fosse critério de desempate. Na prática, queria isto dizer que as doenças passariam a ter a gravidade indexada ao tempo de serviço. Eu sei que foram apenas propostas e que já foram abandonadas. Mas foram feitas e por isso ficaram sujeitas à crítica pública. Sobretudo porque indiciaram uma pulsão por comportamentos humanamente inaceitáveis e eticamente relevantes, de quem quer chegar a fins sem olhar a meios.
Em resumo, umas vezes em modo explícito, outras em registo cínico, este homem não se tem poupado a esforços para cavar um fosso entre os interesses dos alunos e os interesses dos professores. Mas é em defesa dos primeiros, apenas divergentes dos interesses dos professores na escola anticonhecimento científico, beata e patética que criou, que se prepara para desregular, ainda mais, a vida dos segundos.
Com despudor, difundiu a “verdade” que melhor desculpa as suas responsabilidades anteriores e melhor serve os seus interesses futuros. Com arrogância, escolheu começar funções ofendendo os professores.
Quantas voltas já terá Baden-Powell dado no túmulo, ante um seguidor deste calibre?
In “Público” de 25.5.22
Rosário Caldeira and 213 others
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- O Ministério (e a UE) continua a querem impor ao aluno o lado de “coitadinho”. Não há interesse em progressão dos alunos, até porque dá jeito que não se tornem demasiado pensantes. Se os projetos Maia ou Ubuntu já insinuavam isso, esta entrevista veio clarificar ao que vamos. Não importa se sabem ou não, importa que sejam felizes. A questão é que estamos a caminhar para uma falsa felicidade, tal como trilhamos, até agora, uma falsa inclusão. A Escola sempre foi um local de afetos, com respeito por todos, sem que para isso fosse necessário um decreto ou um projeto. Tornar isto “obrigatório” desvirtua, de imediato, todo o processo. A analogia com os médicos é mais uma tentativa “popularucha” de dizer que a Escola só se quer preocupar com os saudáveis, responsabilizando os seus agentes por isso. O conceito de “saudável” terá que muito que se lhe diga, nomeadamente no que diz respeito à responsabilidade social.Esta desresponsabilização de Alunos (e Encarregados de Educação) tem tido já impacto na sociedade, com um crescente aumento de (“pequena” ) criminalidade – roubos, agressões e, até, algumas mortes – que quem anda numa Escola já percebeu que ia acontecer, mas que todos olham para o lado. O Ministério não se preocupa com os “não saudáveis”, só os quer manter felizes e sem os contrariar. Ao contrário da Escola que procura, a troco de muitas balas, curar todos, mesmo que o sistema empurre tudo para o outro lado. Numa altura em que temos Cidadania no currículo, que temos projetos de cidadania, andamos a formar, de uma forma geral, más cidadãos.É urgente reverter a falta de impunidade, o deixa andar, o vale tudo, para depois passarmos para a valorização da profissão Docente. Um Professor ser formatado para “bons alunos” devia ser positivo, porque vai querer que todos sejam assim. Mas interessa que todos sejam bons alunos?Interessa que se continuem a criar seres criadores/pensantes? Ou será mais fácil se se mantiverem rebanhos controlados, quiçá com duas ou três aulas via Youtube, para se reinar.Depois admiram-se que um Putin desta vida, ou uma China ou uma Índia façam o que querem ao ocidente. Sabem porquê? Apesar de todos os seus maus regimes não abdicam de uma coisa: a Educação.
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