santa maria dos açores cine paraíso

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Quase sobre o Pingo Doce em Santa Maria(“cinema paraíso”)
Foi inaugurada, em Santa Maria, a loja do Pingo Doce. Ainda bem. Gosto dos supermercados Pingo Doce.
Em Lisboa é, há muitos anos, o meu supermercado.
No entanto fiquei assustado e triste. Assustado pelos discursos na inauguração e triste pela falta de memória no lugar.
Assustado? Sim. Vi, no Facebook, um “vídeo” da “inauguração”…(https://fb.watch/9ROiR9f634/ ).
Pareceu-me um mundo social pesado, solene, cheio de “salamaleques”, culturalmente ainda no tempo do vossa excelência para aqui ou do vossa excelência para ali. Um mundo que explica, talvez, onde estamos. E com o tratamento das “altas autoridades” pelo ridículo “grau académico”. Ainda não perceberam que em 2021 somos quase todos doutores e engenheiros de qualquer coisa?
Excelentíssimos senhores deputados…doutores…Directores não sei do quê….Sempre com o grau académico… Autoridades…Pareceu-me até um pai e filho a tratarem-se com formalidade académica e do cargo, senhor Eng. presidente da administração. Tudo pessoas muito importantes. Acredito.
O padre a benzer(o bem comum estará sempre no consumo, disse com outras palavras Frank Zappa). Mas será preciso esta solenidade dos anos cinquenta do século passado?
Até com os jornalistas que já têm notícias e publicidade, na mesma página, sobre o mesmo assunto?
Ou estarei eu de tal forma “estrangeirado” que já não me lembro da cultura social da minha terra. Como as coisas são. A ordem natural, senhor doutor engenheiro arquitecto…Vossa Excelência. Provavelmente serão “normais” estes “tratamentos solenes” na inauguração de um supermercado…
O nosso desenvolvimento. Respeito.
Só que este Pingo Doce é no cinema da minha infância. A minha tristeza vem da memória. Sim, este Pingo Doce é no lugar do antigo Cine Mariense. Que foi também o meu cinema paraíso.
Vi quase tudo naquela casa. E o que não vi, imaginei. Clint Eastwood, Pasolini, Fassbinder e obviamente “cowboys e índios” com Bud Spencer e Terence Hill…E o grande herói dos açorianos dos anos setenta: Charles Bronson. Com seis ou sete anos ia sozinho. Pedia o lugar do costume(tradição por causa do meu avô António Medeiros Pereira). E vi tudo. Graças a Deus. Dos filmes “intelectuais” aos “Spaghetti Westerns”.
E o cinema dos Baptistas (nome que sempre preferi a Cine Mariense) tinha ainda uma alegria democrática, para todos(ricos e pobres, “doutores” ou analfabetos).
Uma alma quero dizer. Não foi só o esforço de uma família de Santa Maria que o construiu(em tempos sem subsídios)mas também a verdade na imensidão do cinema como poema. Um lugar mágico. E será sempre para quem não tiver medo da memória.
O poeta Herberto Helder escreveu sobre as “folhas da melancolia que arrefecem”. Foi o que senti. E lembrei-me ainda do meu tio José Baptista, com os irmãos, a trabalharem no mesmo edifício.
Foto: Do filme Cinema Paraíso, de Giuseppe Tornatore. Não encontrei uma fotografia do antigo cinema.
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Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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