recordar Balibó

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1. por António Sampaio ex Lusa

Voltar a Balibó obriga a recordar as tragédias que aqui se viveram. Evidentemente as mortes dos Cinco de Balibo, jornalistas australianos mortos por soldados indonesios a 16 de outubro de 1975.
Mas recordo também a tristemente famosa casa dos batons. Ou como é aqui conhecida a Kissing House.
Recordo a noticia que escrevi aqui há praticamente 26 anos
Timor-Leste: Balibo, uma cidade fantasma com as marca da violencia em cada casa
Criado: 02/10/1999 00:00:00
+++Por Antonio Sampaio, enviado da Agencia Lusa+++
Balibo, Timor-Leste, 02 Oct (Lusa) – Soldados australianos
patrulharam hoje os destrocos da vila de Balibo, agora uma localidade
fantasma, a poucos quilometros da fronteira com Timor Ocidental,
encontrando paredes ensaguentadas que atestam a onda de violencia que
varreu a regiao.
Numa das casas, praticamente todas as paredes tinham marcas
que soldados australianos identificaram como “sangue antigo” e que
repetidamente fotografaram, fotografando igualmente uma das paredes
onde estao visiveis varias marcas de baton vermelho.
“Normalmente estas marcas de baton documentam casos de
violacoes em que as mulheres sao viradas contra a parede e depois
violadas”, disse a Lusa um dos soldados da equipa da investigacao
inicial.
As marcas de sangue sao especialmente fortes sob os azulejos
outrora brancos de uma das divisoes da casa, algumas cobertas por um
poster de Jesus Cristo, ali colocado ja depois do que ali tenha
proventura acontecido.
As janelas mostram marcas de golpes de catanas e nas paredes
ha buracos que parecem ter sido feitos por balas. Tal como em todas
as outras casas que a Lusa ja visitou em Balibo, do conteudo interior
nao resta nada.
Da casa imediatamente ao lado, apenas sobraram tres paredes,
numa delas desenhos mal feitos de barretes da Kopassus, as tropas
especiais indonésias, e de uma patente das forcas armadas de Jacarta,
identificado por coronel Soemarno.
Entre as cinzas o cartao de identidade de Roberto da Silva,
nascido e registado em Balibo em 1928.
Numa das residencias vizinhas, apenas pareceu sobrar a conta
de electricidade, datada de Julho de 1999 e passada no nome de
Clotide Tavares.
A conta permanece pendurada na parede da sala, onde um vento
forte faz bater a compasso uma porta semi-destruida que saltou
parcialmente das dobradicas.
Outros dos locais de paragem obrigatoria e a casa onde terao
sido mortos os jornalistas australianos, no dia 16 de Outubro de
1975.
Durante algums minutos reina a confusao, com jornalistas e
soldados a tentarem apurar exactamente qual tera sido a casa onde os
jornalistas foram mortos.
Para muitos foi na casa imediatamente ao fundo da rampa que
liga a estrada principal ao forte portugues, ja que as ultimas
imagens enviadas pelo grupo mostram um dos jornalistas, Greg
Shackelton a pintar a bandeira australiana, e a palavra Australia na
parede exterior.
Essa tragicamente famosa casa, agora sem telhado e com as
marcas visiveis da destruicao, ainda permanece de pe, com as paredes
marcadas por outras inscricoes, a maior parte a favor da
independencia de Timor-Leste, com retratos mal desenhados de Xanana
Gusmao em todas as paredes.
O unico sinal de vida e um ramo de flores frescas colocado num
vaso feito com metade de uma garrafa de agua de plastico, num simbolo
que e usado tradicionalmente em Timor-Leste para marcar locais onde
tera falecido alguem.
Outros dizem no entanto que os jornalistas estavam numa casa
do outro lado da rotunda, marcada por uma estatua integracionista, e
que so escreveram a palavra Australia na primeira casa, porque seria
desse lado que vieram os soldados indonesios.
E os soldados australianos apostam na casa onde foi encontrado
o sangue nas paredes, que agora vai ser “adequadamente investigada”
por uma equipa de peritos em medicina legal.
Da Avenida Integracao, que parte da estrada que conduz a
costa, nao resta uma unica casa. Os vestigios da destruiçao e da
pressa com que os habitantes sairam sao visiveis na rua, dominada
pelo lixo e pelos restos de zinco e madeira tirados dos edificios.
Logo ao lado, uma escola primaria igualmente destruda, com
dezenas de pedras, usadas para partir praticamente todos os vidros,
espalhadas pelas salas de aula.
No que aparenta ter sido a biblioteca, armarios deitados ao
chao com centenas de livros escolares, todos em indonésio, espalhados
em redor.
A vila e um sinal comprovado da destruicao que varreu toda a
metade ocidental de Timor-Leste.
O sinal mais claro da violencia e a total ausencia de
habitantes.
Alem dos soldados, o unico movimento que hoje se viu em Balibo
foi o de um cao, coxo de uma perna a fugir entre as casas.
Lusa/Fim
2. por ChrysChrystelloex-Lusa (in Trilogia da História de Timor
XVII) Timor, Os Mídia E a Cena Política Internacional: Jornalistas Australianos
Foram Mortos Para Silenciar Os Gritos de Revolta Do Mundo Contra a Indonésia
Para que o mundo desconhecesse os seus crimes, os indonésios não hesitaram em matar cinco jornalistas
australianos. Estava-se em 17 de outubro 1975 e duas equipas de filmagem dos canais 7 e 9 da TV australiana
estavam a filmar a queda da cidadezinha de Balibó, em Timor Português, às mãos de tropas indonésias
apoiadas por refugiados timorenses. Essas imagens poderiam tirar todas as dúvidas sobre a participação do
exército regular indonésio no ataque e poderiam desfeitear a propaganda indonésia de que só refugiados
timorenses agrupados no M.A.C. [Movimento Anticomunista] e voluntários da Indonésia estavam a tentar
recuperar o controlo de Timor.Na Maliana, a poucos quilómetros de Balibó uma equipa de filmagens da R.T.P., liderada pelo jornalista
Adelino Gomes testemunhava o ataque de artilharia pesada, bombardeamentos e metralhadoras automáticas
enquanto tentavam filmar a aterragem de um helicóptero momentos depois do combate. Na véspera, Adelino
Gomes (R.T.P.) falara com os seus colegas australianos do canal 7 de Melbourne e do 9 de Sydney. Nas
paredes amarelas da casa onde estavam a palavra Austrália e a bandeira da Austrália eram proeminentes. Um
dele, Greg Shackleton dissera-lhe:
“Isto é para os indonésios notarem, se vierem para Balibó eles saberão que há estrangeiros e não
nos matarão. É a nossa Embaixada.”
Menos de 24 horas depois, ao amanhecer de 16 outubro 1975, os Indonésios começam a atacar Balibó
com o apoio de membros timorenses do M.A.C. Quer as autoridades da Indonésia quer as da Austrália sabiam
que eles ali estavam, apesar de durante anos o terem negado. Uns dias antes os programas de TV haviam
transmitido as suas mensagens a caminho de Balibó por se tratar de uma região prevista para ser atacada
pelos indonésios que iam tentar desalojar as forças inferiores da Fretilin que a defendiam.
Um dos jornalistas australianos conseguiu antes de morrer gritar que era australiano, mas o objetivo
indonésio era o mesmo: eliminar qualquer testemunha inconveniente pelo que todos foram conscientemente
abatidos a sangue frio. Além do jornalista Greg Shackleton, os outros eram Tony Stewart [engenheiro de som],
Jan Cunningham e Brian Peters [operador de câmara] para além doutro jornalista, MalcolmRennie. Os
generais indonésios responsáveis por esta operação [Cor. DadingKalbuardi e Major YunusYusuf, que se
tornaria, ironicamente no Primeiro-ministro da informação do governo de YusufHabibie em junho 1998]
rapidamente foram promovidos depois disto. O fotógrafo oficial desta operação foi também prontamente
condecorado pelo próprio General Suharto.
Embora o Governo Australiano tivesse ficado embaraçado com o impacto do acontecimento na opinião
pública, conduziu um rápido e inconclusivo inquérito, mas acabaria por ser forçado em 21 Out.º 1998, a
reabrir o inquérito na sequência de um programa da ABC TV em que Olandino Rodrigues um timorense que
fazia parte da força indonésia garantir que os jornalistas foram mortos por soldados indonésios depois de a
Fretilin ter retirado de Balibó. Assim se esfumou, de vez (?) a teoria deles terem morrido vítimas do fogo
cruzado.
Naquela época havia outros jornalistas estrangeiros (e australianos) em Timor, incluindo Roger East, os
quais obtiveram depoimentos que já então não deixavam dúvidas da intervenção das Forças Armadas
Indonésias (ABRI) no crime. A Indonésia não pode obter ganhos territoriais substanciais depois da campanha
fronteiriça e passado mês e meio, em inícios de dezembro, era óbvio que a invasão estava iminente, forçando
as autoridades australianas a avisar todos os seus cidadãos para abandonarem o território.
A maioria dos estrangeiros e jornalistas seguiram esse conselho, mas Roger East decidiu ficar, mesmo
depois da Cruz Vermelha Internacional decidir mudar-se para a Ilha do Ataúro. Em 7 de dezembro, uma hora
depois da invasão, Roger East ainda conseguiu através do centro de Telecomunicações da Rádio Marconi, emDili, uma mensagem para a AustralianAssociatedPress [AAP] e Reuters na Austrália. Pouco depois, era levado
para a zona do porto onde foi assassinado juntamente com centenas de timorenses.
A colusão entre o governo da Austrália e os Indonésios foi tal que nem sequer um protesto se ouviu pela
morte deste jornalista e cidadão australiano, ainda hoje, muitas vezes esquecido quando se fala dos restantes
cinco outros jornalistas assassinados. Durante mais de 13 anos [dezembro 1975 – dezembro 1988] a Indonésia
impõe um blackout noticioso quase total sobre Timor-Leste. Poucos são os jornalistas estrangeiros
autorizados a visitar Timor-Leste. Quando as suas visitas são autorizadas eles são estreitamente vigiados e a
sua liberdade de movimentos é mínima. Relatórios de jornalistas independentes focam o medo generalizado
duma população dizimada, traumatizada pela guerra e pela fome, e por todas as outras atrocidades
cometidas pelas forças ocupantes. A única exceção à regra surge de jornalistas comprometidos que decidiram
antes de embarcar escrever peças favoráveis à Indonésia.
Nestes casos são autorizados apenas a verem cidades, novas escolas e hospitais, novas estradas e outros
melhoramentos de fachada com que a Indonésia tenta fazer esquecer o genocídio do povo timorense. Os
contactos com a população e com o mato são muito limitados e as poucas exceções acabariam por resultar
na prisão ou morte dos guerrilheiros (a prisão de Xanana Gusmão em Nov.º 1991 resultou diretamente da
entrevista dada ao sindicalista e jornalista australiano Robert Domm).
A Cruz Vermelha Internacional foi autorizada temporariamente a visitar o território em 24 de março 1979
sob severas restrições e limitações, depois de durante mais de três anos ver a sua presença proibida. Num dos
seus primeiros relatórios, em 1979, a CVI descreve a situação humanitária em Timor-Leste como sendo pior
do que a do Biafra na década de 60 com a morte de dezenas de milhares de pessoas.
Timor foi “aberto” em Jan.º 1989, mas jornalistas independentes e organizações humanitárias viram
negados os seus pedidos de visto. Eu mesmo quando tentei, como jornalista australiano acompanhar a visita
do Papa em Out.º desse ano vi recusado o meu pedido. Outros jornalistas admitem terem sido muito bem
recebidos, convidados para jantares por membros do corpo diplomático e do governo capazes de lhes darem
todo o ‘apoio’ para as suas histórias desde que fossem favoráveis à Indonésia, mas que mais tarde viram os
seus vistos revogados quando não embarcaram no jogo.
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2. BALIBÓ DEZ ANOS DEPOIS 2
2.1. OS RUMORES QUE SE RECUSAM A MORRER
Sidney, outubro 16, 1985, SMH) Faz hoje dez anos que cinco jornalistas australianos foram mortos em Timor-Leste.
Existem questões em relação às suas mortes que nem a Indonésia nem sucessivos governos australianos souberam responder. Malcolm Rennie, Brian Peters, Greg
Shackleton, Gary Cunningham e Tony Stewart não foram os primeiros jornalistas australianos a morrerem numa zona de combate nem serão os últimos.
Nos últimos dez anos, desde que repórteres televisivos e operadores de câmara morreram num ataque à vila timorense de Balibó, mais meia dúzia deles morreu,
sendo o mais recente o veterano cameraman Neil Davis em setembro [1985] em Banguecoque.
Mas, a morte daqueles cinco causou uma série de alegações sem precedente, contra alegações e rumores, que se recusam a desaparecer.
Embora a Indonésia tenha consistentemente negado qualquer responsabilidade nas mortes de Balibó, alegando que as mesmas ocorreram durante a luta que opunha
forças pró-Indonésias da UDT e forças nacionalistas da Fretilin, relatos de testemunhas obtidas através de refugiados e de fugas de documentos secretos norteamericanos
alegam que eles foram mortos por forças do exército regular indonésio.
Os cinco estavam abrigados numa casa em cujas paredes tinham desenhado um mapa australiano e a palavra “Austrália”. Durante o ataque tentaram render-se
aos indonésios, mas em vez disso, foram executados.
Pelo menos um deles foi abatido com rajadas de metralhadora ao tentar escapar para o mato.
Nestes dez anos, houve inúmeros pedidos de membros do Parlamento, da AJA3 e de familiares das vítimas para um inquérito oficial australiano, que sempre foi
recusado. Para a comunicação social, a investigação dos acontecimentos de Balibó quase se tornou numa obsessão.
Havia especulação sobre se os indonésios haviam escolhido atacar Balibó e matar os jornalistas para suprimir detalhes da sua escalada de envolvimento em Timor-
Leste.
O tom simpático dos artigos de jornal que inicialmente surgiram, depressa deram lugar a sugestões de que os jornalistas haviam arriscado a vida deliberadamente e
se haviam tornado simpatizantes da Fretilin. As televisões foram acusadas de imprudência com vista a obterem uma boa caxa.
A questão de como um governo responsável devia proteger os repórteres uma zona de guerra também foi questionada.
2 MARK CHIPPERFIELD, SYDNEY MORNING HERALD 16 OUTUBRO 1985. TRADUÇÃO DO AUTOR PARA A TDM E LUSA
3 AUSTRALIAN JOURNALISTS’ ASSOCIATION
2.2. ASSASSÍNIO A SANGUE FRIO
Para além da questão fulcral sobre se os jornalistas foram assassinados existem outras questões:
ESTARIAM bem informados antes de partirem para Balibó?
ESTARIAM conscientes da concentração maciça de tropas Indonésias em Timor Ocidental?
DEVERIAM ter sido enviados para lá?
Gerald Stone era o diretor de informação do Canal 9 à data e o principal responsável por ter enviado os operadores de câmara Brian Peters e Malcolm Rennie para
Timor-Leste. Ainda hoje não está convencido de que algo pudesse ter sido feito para evitar Balibó e garante que o seu pessoal estava devidamente informado. Existem
ainda duas questões que o afligem:
SE as duas equipas de filmagem (uma do Canal 9 em Sidney, a outra do Canal 7 em Melbourne), operando em conjunto e competitivamente talvez não se tenham
pressionado uma à outra para ficarem mais tempo do que seria aconselhável.
SE a amizade inicial dos timorenses não terá encorajado as equipas de filmagem a “passarem das linhas” e tentarem obter a mesma espécie de resposta por parte da
UDT que tinham tido por parte da FRETILIN?
Para Shirley Shackleton, viúva do repórter do Canal 7, Greg Shackleton, a culpa de Balibó é inteiramente da responsabilidade do exército indonésio.
Afirma já não odiar a Indonésia mas a sua raiva é dirigida a vários departamentos [ministérios] australianos que, acredita, terem deliberadamente ocultado os factos
sobre Balibó.
Crê que os cinco jornalistas morreram apenas por serem jornalistas.
Eles eram testemunhas dum acontecimento que os governos da Austrália e da Indonésia asseguravam ao mundo não estar a acontecer – a intervenção armada em
Timor-Leste. O filme, parte do qual chegou à Austrália destrói essa ficção que eventualmente permitiria à Indonésia ocupar Timor-Leste sem a intervenção da ONU.
A Senhora Shackleton concorda que o medo de serem ”batidos” por uma reportagem do outro canal, pode ter levado as duas equipas de filmagem a ficarem em
Balibó depois de todos os outros terem partido, mas diz serem estúpidas as sugestões de que negligência poderá ter contribuído para as suas mortes.
Duma forma mais simples, afirma, não existe proteção contra o “assassinato a sangue frio”, que ela crê ter ocorrido.

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