PROCESSO CONTRA fERNANDO nOBRE

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Fact Check: Os fármacos que Fernando Nobre tomou são eficazes contra a Covid-19 e melhores do que as vacinas?
O médico e fundador da AMI revelou ter-se curado da Covid-19 com a toma de azitromicina, hidroxicloroquina e ivermectina.
Afinal, o que nos diz a Ciência sobre eles.
Foi durante um discurso em frente à Assembleia da República, a propósito de uma manifestação contra as medidas de combate à pandemia, que Fernando Nobre, médico e fundador da Assistência Médica Internacional (AMI), revelou ter-se curado da Covid-19 com a toma de azitromicina e hidroxicloroquina, ivermectina.
São estes medicamentos eficazes e melhores do que as vacinas?
“Isso [a Covid-19] trata-se como eu me tratei, tratei a minha mulher, tratei a minha filha.
Com azitromicina, hidroxicloroquina, ivermectina.
Numa semana, estávamos todos curados”.
As palavras são de Fernando Nobre, médico e fundador da AMI, durante um discurso de mais de 20 minutos em frente à Assembleia da República, em que, entre outros aspetos, critica o uso de máscaras e a eficácia dos testes PCR e das vacinas contra a Covid-19.
O vídeo com o discurso do também ex-candidato à Presidência da República foi publicado na página de Facebook Verdade Inconveniente e partilhado pelo próprio Fernando Nobre na sua página na rede social.
Entre os muitos ataques e explicações, garante que se curou da Covid-19 através destes três fármacos, mesmo após ter estado com uma hipoxia (diminuição de oxigénio no sangue ou nos tecidos) na casa dos 70% e 41º graus de febre.
A associação de fármacos como a hidroxicloroquina ao tratamento da Covid-19 não é novidade e chegou mesmo a ganhar escala quando Donald Trump e Jair Bolsonarogarantiram ser a forma mais eficaz de combater a doença, embora a comunidade científica e da própria Organização Mundial da Saúde (OMS) tenham dado indicações em contrário.
No entanto, isso não impediu que, no início da pandemia, a procura por este tipo de fármacos aumentasse.
No caso da hidroxicloroquina, apesar de ser um fármaco para doenças auto imunes, como a artrite reumatóide e lúpus, houve mesmo um “crescimento acentuado registado no final da quarta semana de março de 2020, possivelmente relacionado com a referência do presidente norte-americano ao uso da hidroxicloroquina no tratamento de doentes com COVID-19, numa conferência de imprensa a 19 de março de 2020, e toda a mediatização desta matéria que se seguiu”, lê-se na análise de mercado de medicamentos realizada pela Health Market Research referente a março do ano passado.
Agora é a vez da ivermectina captar a atenção de quem procura alternativas ao combate da doença, mas os riscos são muitos e a evidência da sua eficácia é ainda escassa ou quase nula.
Há, de momento, estudos e ensaios a decorrer, mas, para já, a evidência aponta para a não eficácia.
Mas vamos por partes: o que diz a ciência sobre estes fármacos quando em causa está o tratamento da Covid-19?
Azitromicina
A azitromicina é um antibiótico usado para tratar a pneumonia e algumas infeções bacterianas, por exemplo.
Logo à partida, o facto de a Covid-19 ser provocada por um vírus (o Sars-CoV-2) e não por uma bactéria, traz dúvidas quanto à eficácia deste fármaco no tratamento da doença.
A ciência aprontou-se a estudar o assunto e um ensaio clínico realizado pelo Recovery (Randomized Evaluation of Covid-19 Therapy, que inclui 176 hospitais britânicos) concluiu que o fármaco não é eficaz no tratamento da Covid-19, podendo fazer apenas sentido em potenciais infeções secundárias, mas sempre com a necessidade de avaliar caso a caso.
“Em pacientes internados no hospital com Covid-19, a azitromicina não melhorou a sobrevida ou outros desfechos clínicos pré-especificados.
O uso de azitromicina em pacientes internados no hospital com Covid-19 deve ser restrito a pacientes para os quais há uma indicação antimicrobiana clara”, lê-se no estudo, publicado na revista The Lancet.
Para o estudo, os pacientes internados foram divididos em dois grupos de forma aleatória: 2,5 mil receberam, durante pelo menos dez dias, azitromicina oral ou injetável em simultâneo com o tratamento padrão contra a Covid-19 em vigor; no outro grupo, cerca de cinco mil pacientes receberam apenas o tratamento padrão.
Assim que cruzaram os dados, os especialistas perceberam que o fármaco é ineficaz, uma vez que a taxa de mortalidade e o tempo de internamento dos pacientes foram semelhantes nos dois grupos testados.
Também publicado na The Lancet, um ensaio revelado em setembro de 2020, desta vez levado a cabo no Brasil, veio deitar por terra a eficácia da azitromicina.
“Neste ensaio, a junção de azitromicina ao tratamento padrão não foi superior ao tratamento padrão sozinho (o tratamento padrão incluiu hidroxicloroquina, de acordo com as diretrizes locais) na melhoria do estado clínico dos pacientes com Covid-19 grave.
Além disso, os pacientes no grupo da azitromicina tiveram mortalidade e incidência de infecções secundárias semelhantes, tempo de internamento hospitalar e tempo livre de ventilação mecânica semelhantes em comparação com os pacientes do grupo de controlo”.
Este ano, um estudo conjunto entre as universidades da Califórnia e de Stanford veio reforçar a tese da ineficácia da azitromicina na redução dos sintomas de Covid-19.
“No dia 14, não houve diferença significativa na proporção de participantes que estavam livres de sintomas (…)
No dia 21, cinco participantes no grupo de azitromicina foram hospitalizados em comparação com zero no grupo de placebo”.
Hidroxicloroquina
Este é, possivelmente, o medicamento mais badalado, aquele que mais espaço teve nos noticiários após as garantias – sem fundamento científico – dadas pelo, à data, presidente dos Estados Unidos.
Mas, na verdade, foi uma questão de tempo até o próprio Donald Trump ser uma prova viva da ineficácia do fármaco: após ter tomado hidroxicloroquina em maio de 2020 para prevenir a doença, o ex-presidente acabou por ficar infetado com o Sars-CoV-2 meses depois, em outubro.
A hidroxicloroquina chegou mesmo a estar em cima da mesa como potencial tratamento para a Covid-19, no entanto, rapidamente a comunidade científica alertou para a ineficácia e para os riscos deste medicamento, usado comummente no tratamento da malária ou de doenças autoimunes, como a lúpus ou a artrite reumatoide.
Na mesma altura em que Donald Trump dava garantias da eficácia da hidroxicloroquina, o Infarmed e a Direção-Geral da Saúde (DGS) pediram a suspensão do uso de hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 em Portugal.
Em causa, estava um estudo com mais de 90 mil doentes com Covid-19, publicado pela revista The Lancet a 22 de maio de 2020 e que “não conseguiu confirmar o benefício da hidroxicloroquina ou da cloroquina nestes doentes.
Os autores apontam para um acréscimo de efeitos adversos potencialmente graves, incluindo um aumento da mortalidade, durante a hospitalização de doentes Covid-19, num conjunto de conclusões que terão ainda de ser confirmadas através de ensaios clínicos aleatorizados e controlados, ‘uma vez que este estudo apresenta várias limitações’, refere o comunicado das auto”, lê-se no site do Infarmed.
A agência norte-americana do medicamento (Food and Drug Administration – FDA) chegou a permitir o uso de hidroxicloroquina para casos muito excecionais da doença, mas a eficácia do fármaco foi sempre colocada em causa.
No início deste ano, a OMS concluiu que a hidroxicloroquina não é eficaz no tratamento contra a Covid-19 e que, na verdade, o seu uso pode causar efeitos adversos, pedindo ainda que se reconsidere os financiamentos feitos.
O documento assinado pelos especialistas da OMS foi publicado na revista BMJ, e o organismo já tinha, em julho do ano passado, pedido a descontinuação do uso de hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19.
Ivermectina
Em março deste ano, o Infarmed alertou para a insuficiente evidência para uso de ivermectina na Covid-19.
Também a Agência Europeia do Medicamento já desaconselhou o uso do fármaco, porém, este antiparasitário (utilizado, por exemplo, no tratamento de piolhos e lombrigas) continua a fazer parte dos ensaios clínicos em vigor, mas a falta de dados não permite saber o quão eficaz é ou não, nem mesmo o quão arriscado pode ser o seu uso.
Tanto o Infarmed como a EMA emitiram pareceres “indicando que os dados não justificam o uso de ivermectina na Covid.
Além disso, de acordo com revisão sistemática da Cochrane de 28-07-2021 é reiterado que não existem evidências que apoiem o uso de ivermectina na Covid-19 (tratamento ou prevenção), encontrando-se em curso 31 ensaios clínicos que podem vir a atualizar esta informação”, esclarece por escrito à VISÃO o Infarmed.
No caso dos Estados Unidos, a FDA não aprovou nem autorizou o uso deste medicamento no tratamento da Covid-19, seja em humanos ou animais, alertando para o risco da toma de elevadas doses de ivermectina, doses essas usadas, por exemplo, em cavalos e vacas.
“A ivermectina não se mostrou segura ou eficaz para essas indicações”, escreve o organismo no seu site.
Houve quem se arriscasse a tomar ivermectina, mas os resultados não foram animadores: confusão, tonturas, alucinações, apneia e tremores foram alguns dos sintomas apresentados, descreve o jornal especializado em medicina MedpageToday.
Segundo a Ordem dos Farmacêuticos, os dados até agora obtidos sobre o uso de ivermectina na Covid-19 são ainda “inconsistentes”, não existindo ainda “evidência inequívoca de benefício da ivermectina, pelo que não estão definidas doses e esquemas de administração”.
Azitromicina, hidroxicloroquina, ivermectina VS. vacinas
No seu discurso na manifestação em frente à Assembleia da República, Fernando Nobre criticou a vacinação contra a Covid-19, falando mesmo de “injeções experimentais”, alegando que as pessoas aceitaram tomar a vacina “sem nunca saber se tomaram o placebo ou se tomaram o medicamento”.
Como a VISÃO já tinha detalhado neste Fact Check, a vacina não é experimental e não somos todos cobaias do seu uso de emergência.
Além do mais, Pedro Pinto Leite, da Direção-Geral da Saúde, revelou na mais recente reunião do Infarmed que quatro em cada cinco doentes internados com Covid-19 nas enfermarias não tem a vacinação completa contra a doença.
E 14 em 15 infetados que foram internados nos cuidados intensivos também não tinham o esquema de vacinação completo, o que reforça a ideia de proteção que as vacinas contra a Covid-19 dão.
“A vacinação contra a Covid-19 é um sucesso e termina uma fase da pandemia”, disse o especialista.
FALSO
Os fármacos que Fernando Nobre tomou são eficazes contra a Covid-19 e melhores do que as vacinas?
Não e não.
Não há evidência científica da eficácia do uso de azitromicina, hidroxicloroquina e ivermectina no tratamento da Covid-19.
“Estas substâncias não se encontram recomendadas para o tratamento da COVID-19.
Devem ser consideradas as indicações aprovadas destes medicamentos”, revela o Infarmed, citando a recomendação do NIH.
Outros fármacos, como lopinavir combinado com ritonavir e ainda a nitazoxianida, também não se mostraram uma mais-valia após ensaios clínicos.
Quanto às vacinas, há evidência da sua eficácia das vacinas, sendo que as que utilizam a tecnologia mRNA, como é o caso da Pfizer e da Moderna, “apresentam uma eficácia que varia entre os 81% e os 96% contra a morte por Covid-19 nos idosos”, revela um estudo epidemiológico desenvolvido pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) com a colaboração dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) e da Direção-Geral da Saúde (DGS).
Além disso, o mesmo estudoindica ainda que as vacinas conferem “uma proteção substancial contra internamentos e óbitos relacionados com o vírus SARS-CoV-2 após o esquema vacinal completo”.
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Some unapproved COVID-19 treatments may cause serious harm.
Source: World Health Organization
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  • Natália Correia

    E por tudo isto e pela campanha negacionista a Ordem dos Médicos abre processo disciplinar a Fernando Nobre👏👏👏👏👏