PRÉMIOS LITERÁRIOS

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CONCURSO LITERÁRIO DO CASINO DO ESTORIL (2021)
Será que o júri de oito sábios leu o livro? 15.000 euros por tanta banalidade? Antes os repartissem num bodo aos pobres, como sói dizer-se, porque, além do mais, é dinheiro de vício.
Basta ler o princípio da laureada narrativa. Laureada, disse bem, mas sem louros, de contrário temos de tirar os que vemos em Dante há setecentos anos.
«Talvez eu devesse contar-vos o que me aconteceu aos dezassete anos para que a minha presença neste cemitério faça sentido. As pessoas não frequentam cemitérios por gosto, e eu não sou excepção. Quero dizer, existirão alguns que se divertem em lugares destes, mas decerto sofrem de estranhas patologias. Ouvi falar de gente que gosta de fazer amor com cadáveres – se é que se pode chamar amor a uma coisa tão horrível: chama-se necrofilia, o desejo de reunião com um parceiro romântico morto. Veja-se, por exemplo, Periandro, o segundo tirano dos Coríntios, que assassinou a mulher num acesso de raiva e depois teve relações sexuais com o seu cadáver; ou os marinheiros que, em tempos remotos, transportavam defuntos de regresso a casa e, na viagem, se aproveitavam das carcaças inertes e cinzentas, o brilho da alma há muito sonegado aos olhos apagados. Li algures que, nas guerras entre os russos e o Império Otomano, os soldados violavam os cadáveres do inimigo; fiquei sem saber se eram os turcos ou os russos que mais contemplavam esta prática, mas aposto que eram os russos.
Seja como for. Não sou necrófilo, nem nada que se pareça. Há outras razões para a minha presença aqui, junto das campas de Felicidade, Esperança e Angélica. Mas não serão também essas razões a expressão de uma doença? A primeira das trigémeas foi o meu grande amor; a segunda, a minha mulher; a terceira, participante involuntária da minha ruína. Juntas, elas destruíram a minha vida de maneira lenta e insidiosa, como uma matilha de cadelas que rodeia, dia após dia, um passarinho esfomeado, até este jazer morto no chão da sua gaiola.
Finalmente, encontram-se saciadas.»
May be an image of book and grass
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  • Jorge Velhote

    Também um gajo a beijar uma gaja com as mãos no volante não indicia coisa boa… como o uso da palavra ‘incauto’ deveria ser um alerta para se não premiar nem comprar esta felicidade!
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