POEMA 2 PARA O 6 DE JUNHO CHRYS IN CRÓNICA DO QUOTIDIANO INÚTIL

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1. a ilha de todos os medos (ribª quente, povoação, ago 2011)

 

uma ilha pode ser de todos

independentemente de onde se habita

viver na ilha é quase um naufrágio

respirar sob as águas turvas

viajar através do corpo submerso

vir à tona turbulenta

para partir da ilha sem sair dela

levá-la para mundos outros

recriar a origem em qualquer destino

crenças, festas e procissões

 

uma ilha pode ser de todos

mas só alguns a possuem

menos a apresentam como passaporte

vergonha natural de regionalismos

canga feudal de séculos

atraso, incultura, insucesso

vencer na escrita fora da ilha

sotaques polidos, discursos alheados

bilhete de identidade estrangeirado

arrogância, ostracismo, sem açorianismo

 

uma ilha pode ser de todos

merecem-na quem a habita

os livros a quem os lê

deneguem anátemas de ilhanizados e açorianizados

albardem-se oportunistas da literatura

abrigados em rótulos autonomistas

enjeitem escritores renegados

tertúlias de Lisboa a Coimbra

promovam-se os que se não promovem

os que sentem o que escrevem

os que redigem esta alma única

este sabor a mar e tremores de terra

pedreiros do magma e lava

 

raiz original e comovida[1]

com lágrimas de gente infeliz[2]

em relação de bordo[3]

de histórias ao entardecer[4]

na ilha de nunca mais[5]

louvem-se e publiquem-se noviedições

de o lavrador de ilhas[6]

marinheiro com residência[7]

nas escadas do império[8]

leia-se que fui ao mar buscar laranjas[9]

ou fui ao pico e piquei-me[10]

à boquinha da noite[11]

estude-se a cor cíclame e os desertos[12]

na distância deste tempo[13]

plantador de palavras vendedor de lérias[14]

os silos do silêncio [15]

em a ilha grande fechada[16]

quando deus teve medo de ser homem[17]

e era o príncipe dos regressos[18]

em a sombra de uma rosa[19]

quando havia almas cativas[20]

no contrabando original[21]

estava o mar rubro[22]

 

era desta açorianidade

desta literatura açoriana

que vos queria falar

medram poetas nestas ilhas

contistas, ensaístas, romancistas

narradores, dramaturgos e sonhadores

deixai-me hastear a bandeira deste povo

e gritar o que lhe vai na alma

 

uma ilha pode ser de todos

independentemente de onde se habita

deixai que a chame minha

ninguém a quer

ninguém a sonha

como os que nela se querem

nela nascidos,

nela vividos,

nela transplantados

criando raízes que nenhum machado cortará

dando frutos e flores que só o poeta cantará

levando-a nos sonhos que só vate sonhará

 

uma ilha pode ser de todos

mas quero-a só para mim

pretendente único à sua razão

namorado, amante e noivo

mulher ardente para cortejar

mãe de todas as filhas

mar de todas as ilhas

amor de terra e mar

 

uma ilha pode ser de todos

sem temores ou receio

na ilha de todos os medos.

 

[1] Cristóvão De Aguiar

[2] João De Melo

[3] Cristóvão De Aguiar

[4] Fernando Aires

[5] Fernando Aires

[6] J H Santos Barros

[7] Urbano Bettencourt

[8] Vasco Pereira Da Costa

[9] Pedro Da Silveira

[10] Álamo Oliveira

[11] Dias De Melo

[12] Maria De Fátima Borges

[13] Marcolino Candeias

[14] Vasco Pereira Da Costa

[15] Eduíno De Jesus

[16] Daniel De Sá

[17] Daniel De Sá

[18] Eduardo Bettencourt Pinto

[19] Eduardo Bettencourt Pinto

[20] Roberto De Mesquita

[21] J. Martins Garcia

[22] Dias De Melo