PLANTAR O FUTURO COMO A AVESTRUZ

Views: 0

PLANTAR O FUTURO COMO A AVESTRUZ, 7.12.19-2.11.2020, CRÓNICA 302/365

 

Tocam os sinos na aldeia (é freguesia, senhor, chame-lhe freguesia) por mais um que se finou…se tocassem pelos que nascem raramente se ouviam. Tem sido assim desde há 15 anos, morrem e não são substituídos. Como não há recenseamento atualizado direi, empiricamente, que 20-30% da população não deveria constar dos cadernos eleitorais. Nota-se nas matriculas escolares, as ruas já não são o que eram, já não há enxames de seres ruidosos e saltitantes. Nunca imaginei que a desertificação humana a que assisti em Trás-os-Montes tivesse paralelo nos Açores que se despovoam.

Ao chegar, o que saltava à vista, em contraste com Bragança, era o número de jovens e infantes em todas as freguesias. O envelhecimento e a desertificação são problemas mais prementes do ponto de vista social e económico do que as mudanças climáticas. Estão interligados, interdependentes, não se excluem. Já não há velhos para plantarem o meu quintal e os novos não estão interessados. Quando morrem os idosos, tais tarefas ficam por realizar. Assim, quintais e campos irão estiolar como condenadas estão as agropecuárias de produção de leite. A maior parte dos jovens em idade escolar, nesta zona rural, não sonha com livros nem estudos, mas com vacas, desconhecendo (por não terem estudos nem lerem livros) que esse futuro em breve irá desaparecer, como os amola-tesouras, datilógrafos, limpa-chaminés e guardas-noturnos. O ciclo da vaca desaparecerá como o da laranja, pastel e outros ao longo de séculos. É oportuno recordar um conselho de Confúcio:

“Se tiveres planos para um ano, planta arroz; para dez anos planta árvores; para cem anos, educa as crianças.”

Seria muito difícil, os políticos desta sábia visão não seriam reeleitos.

Com o Covid se não morremos da doença, morremos da cura e os direitos constitucionais podem ter utilidade como papel de parede. Aproveite para usar a máscara, não precisa disfarçar o sorriso. Aceite o que os governos e OMS mandam, é para seu bem e no fim ainda oferecem a vacina (a da gripe existe há décadas e a gripe continua, mas podia ser pior, dizem-me). Fazem muito bem os negacionistas, que não ouvem os cientistas (enganam-se tantas vezes!) e os outros do fim do mundo, que antecipam cataclismos, um meteoro destruidor; um tsunami avassalador, a erupção de Yellowstone ou Cracatoa. Nesta indiferença suicida, aproveitem os dias que restam, continuem a poluir os oceanos com plásticos, que já comemos na alimentação diária, que já respiramos e absorvemos nos pulmões, beba a água que falta em muitos cantos enquanto não paga por ela e jorra da torneira. Quem sabe, se a IA (inteligência artificial), que povoa fábricas e escritórios, decide que não temos inteligência suficiente para continuar a viver e nos condena ao extermínio, como fizemos a tanta civilização que descobrimos quando explorávamos os oceanos (Pizarro e Cortéz nas Américas).

Por isso, continue a proferir palavras e desejos ocos; mas cheios de boas intenções; deixe-se absorver pelo consumismo exacerbado a que a massificação da propaganda o impele; compre, mais, sempre mais; endivide-se a si, aos filhos e aos netos para “possuir” bens materiais de que não necessita (embrulhados em plástico brilhante para poluir visivelmente) mas que lhe dão imenso gozo possuir mesmo sem os usar. Por exemplo um catamarã para navegar no Saara, um avião para a ilha do Corvo; um submarino para a Lagoa do Fogo.

Acredite que tem muitos amigos (mas só no Facebook); Sinta que é um bom católico e vá à missa, aos enterros e outras funções (quando não espezinha os que se cruzam consigo ou se esquece dos ensinamentos dos livros sagrados). Pense que é um bom patrão (só por ser condescendente com os súbditos, perdão, agora chamam-se “colaboradores”). Estacione no lugar dos “deficientes (só demora um minuto) sempre que não encontre lugar à porta do supermercado. Continue a ignorar como se circula numa rotunda; use a faixa do meio ou a da esquerda quando há mais do que uma nas autoestradas e vias rápidas; atire lixo ou beatas de cigarro do veículo em andamento ou para o chão se a papeleira estiver a mais de 20 m.

Terá, à sua frente, um futuro brilhante como o de Marco Túlio Cícero, advogado, político, escritor e filósofo. A sua influência na história da prosa subsequente é enorme. A ele se deve a introdução e o desenvolvimento da filosofia grega no mundo romano, bem como a criação de um vocabulário filosófico novo que incluiu termos como evidentia, humanitas, qualitas, quantitas e essentia. Morreu em 43 a.C. de morte matada. As suas mãos e a cabeça foram publicamente exibidas por ordem de Marco António.

Se ainda não deu destino aos seus bens, pense nisso, pode não os ter amanhã. Quando os empregos acabarem vai viver de quê? Há tanta civilização, conhecida e desconhecida, que desapareceu. Algumas deixaram rastos visíveis, outras sumiram e nem conseguimos interpretar os vestígios para avaliar as causas do desaparecimento, é conjeturável que o mesmo suceda à nossa. Tudo começará do zero, com os sobreviventes, se os houver. Como a História nos ensina, serão os tecnologicamente menos atualizados (aborígenes australianos em contexto tribal). Demorará milhares de anos uma nova evolução tecnológica e ficarão a pairar nos céus satélites obsoletos, perecerão as torres de comunicações indispensáveis à civilização atual, a natureza ocupará os edifícios abandonados, as areias enterrarão os exageros dos Emirados, e, alguém descobrirá os vestígios desta civilização como descobriram Borobodur (Indonésia, Java, construído no séc. IX ressurgido em 1814 ou Angkor Vat, Camboja 1860, que não foi totalmente redescoberto) ou cidades Maias na selva, soterradas por séculos.

E parafraseando um mago da música, Roger Waters: “This species has amused itself to death” que é como quem diz “esta espécie (humana) divertiu-se imenso até à morte”. Seja feliz enquanto pode.