PEDRO GOMES · A ENTREVISTA DO FUTURO AUSENTE

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A ENTREVISTA DO FUTURO AUSENTE

1. O Presidente do Governo Regional dos Açores, Vasco Cordeiro concedeu uma extensa entrevista ao “Açoriano Oriental” da passada segunda-feira, cuja primeira pergunta não deixa de ser singular: os jornalistas perguntam ao Dr. Vasco Cordeiro se tenciona cumprir o mandato, em caso de vitória eleitoral. A resposta é óbvia: o entrevistado responde que cumprirá até ao fim o seu mandato, procurando desdramatizar uma circunstância incontornável – a da sua própria sucessão na liderança do PS – que contamina os debates internos do Partido Socialista e o alinhamento dos possíveis candidatos a sucessores que fractura um partido que não esconde a usura do tempo de governação e a incapacidade de responder a novos desafios. A sucessão do Dr. Vasco Cordeiro é um problema para o PS, numa inesperada fragilidade política, que tem como contraponto a liderança de José Manuel Bolieiro, no PSD.
2. A entrevista é uma longa narrativa de justificação, centrada nos invocados resultados da governação desde 2012, nas áreas do emprego, saúde e educação, como se a governação do PS apenas tivesse começado no ano em que o Dr. Vasco Cordeiro assumiu funções de Presidente do Governo Regional. Para memória futura é sempre interessante recordar que, em 2012, no discurso de tomada de posse, o Presidente do Governo assumia que o seu governo daria continuidade às grandes opções políticas dos governos presididos por Carlos César: “recebemos, com muita honra e com muito orgulho, o testemunho do qual agora nos cabe curar e engrandecer”. Aliás, não podia ser de outra maneira, já que o actual Presidente do Governo assumiu, pela primeira vez, funções de Secretário Regional em Dezembro de 2003, tendo sempre desempenhado funções governativas até hoje.
O Presidente do Governo não lança nenhum desafio para o futuro, nem apresenta qualquer proposta nova à sociedade açoriana. Espera, apenas, que os açorianos reconheçam mérito à sua governação. Vasco Cordeiro tem razão quando afirma que o argumento do longo tempo de governação socialista não é suficiente para avaliar da necessidade de uma mudança política. O binómio tempo-resultados é sempre mais útil.
3. Na avaliação dos resultados, o Governo Regional não tem muito de que se orgulhar nas três áreas escolhidas para debate eleitoral (sim, porque é disso que se trata); a taxa de retenção e desistência nos ensinos básico e secundário é 20,3% e 8,7% no ensino básico, no ano lectivo de 2017/2018. Um resultado que representa uma ligeira melhoria de 0,3% no caso do básico e um agravamento no secundário, em relação ao ano lectivo 2007/2008, de acordo com a última série estatística publicada pela Direcção Regional da Educação. Os Açores têm a taxa de desemprego mais alta do país (7,6%), superior à média nacional e com 40% dos inscritos com idade superior a 35 anos. Na saúde e, apenas para citar um dado, há 4.152 doentes há mais de 540 dias à espera de uma cirurgia.
A pobreza – com 77 mil açorianos em risco de pobreza – a gestão partilhada do mar, o passivo do sector público empresarial, a competitividade das empresas, a fiscalidade regional ou a reforma institucional da autonomia, por exemplo, não mereceram uma palavra do chefe do executivo. Esta ausência é reveladora: mesmo um balanço feito na primeira pessoa não se consegue esconder um evidente fracasso governativo.
Foi a entrevista de um Presidente resignado. E isso é pouco, muito pouco, para os açorianos.
(Publicado a 4 de Março de 2020, no Açoriano Oriental)

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