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Paula Cabral shared a memory.
As memórias do Facebook devolvem-me esta publicação. Faz hoje um ano que, emocionada, recebi esta valiosa prenda. No dia em que Luís Cristóvão Dias de Aguiar, o homem, o primo, já partiu. Não partirá deste mundo, contudo, o escritor, porquanto ficará na nossa memória coletiva e na história da literatura portuguesa. Aí fica a sua obra. Para sempre.
Para sempre, dentro de mim, ficarão também as preciosas memórias do primo Luís Cristóvão, quando, frequentemente, vinha ao Pico da Pedra, era eu ainda jovem. Era o primo professor na Universidade de Coimbra, o escritor que todos admiravam, e com ele faziam cerimónia, mas também era o filho da minha tia Conceição, uma alma santa, e do tio Artur, que viviam na América, e, como tal, era sempre familiarmente acolhido. Lembro-me da minha mãe perguntar-lhe, à mesa, se queria reformar o prato, e o primo, sempre atento às palavras, bem como às estórias, que por vezes ele e o meu pai recordavam e que, em tom de brincadeira, dizia para não usar nos seus livros, ter exultado com a palavra “reformar” que já não ouvia há muito tempo. Naquele contexto, só a ouvia também à minha mãe. Ouvia os seus conselhos com devoção. Teria 18 anos e queria seguir humanidades na Universidade dos Açores. O primo foi comigo à Livraria do sr. Gil, que hoje já não existe. Não me esqueço do orgulho que tive ao entrar na livraria na sua companhia. Fez questão de me orientar na compra dos livros de que iria precisar. As gramáticas de inglês e de português, esta última a de Lindley Cintra e de Celso Cunha, em capa dura e letras douradas, ainda me serve hoje de orientação.
Sorvia os seus livros num ápice. Via ali o Pico da Pedra inteiro, as suas personagens mais carismáticas, os familiares comuns, as estórias que eternizaram esta terra na literatura. A freguesia da Tronqueira é também o meu universo. A sua influência na minha vida é incomensurável.
Embora nele reconhecesse traços muito familiares e por ele tivesse muito carinho, a admiração por ser quem era determinava sempre parcimónia no nosso tratamento.
Foi assim a última vez que falei com ele. No passado dia 8 de setembro, dia do seu aniversário, enviei mensagem ao seu filho, José Aguiar, pedindo que transmitisse a minha mensagem de parabéns e saúde. O Zé respondeu com um número de telemóvel.
Hesitei. Há tantos anos que não falávamos. A parcimónia do costume teimosamente sobreponha-se à vontade de o ouvir. Mas o Zé incentivou-me e ainda bem que liguei. Ficou, no entanto, tudo por dizer. O primo perguntou-me se ainda dava aulas no seu liceu e, no fim da curta conversa, concluiu “fizeste bem em ligar!”, ainda naquela pronúncia de traços micaelenses, que nunca perdeu.
Ainda bem que liguei. Só faltou dizer-lhe o quanto o admirava.
Que tenha a paz que sempre buscou.