OSVALDO CABRAL A EMPRESA ROBUSTA

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Estávamos em pleno Verão de 2018 e a canícula interfere sempre com o raciocínio de qualquer um, com particular incidência na classe política.
A propósito de uma audição parlamentar – a milésima para mostrar trabalho -, já nem me lembro de que área, mas provavelmente daquelas que se faziam ao sector público sem nunca resultar em nada, demonstrei como algumas empresas públicas regionais estavam a enganar os contribuintes, publicando notícias que davam conta de lucros nos seus relatórios anuais.
Caíram-me em cima com artigos assinados pelas habituais “Popotas” lambidas do Vice, negando as evidências, como se negassem a época do ano em que a constelação Cão Maior alcançava uma posição central no céu, o que correspondia aos dias mais quentes do ano no hemisfério norte, conhecidos como “dias de cão”.
Bastava olhar para os inúmeros subsídios, pomposamente denominados de “contratos programas”, atribuídos ao longo do ano àquelas empresas, para se perceber que era impossível dar lucro.
Tudo contas de mercearia.
A Azorina era uma delas.
Recebia dinheiro público a rodos e, no final do ano económico, fazia a festa.
Na tal comissão parlamentar foi mesmo dito, imagine-se, que era uma empresa “sólida, estável e robusta”!
Nunca tivemos acesso, por inteiro, à canícula cor de rosa dessas fabulosas contas lucrativas, por maior esforço e pedidos que fizéssemos.
Era uma fábula natalícia bem escondida.
Apenas soubemos de uma auditoria do Tribunal de Contas
(TC) à Azorina, em 2016, onde já se concluía que ali havia marosca.
Segundo o TC, no recrutamento dos trabalhadores, a Azorina “não tinha promovido a prévia divulgação pública das ofertas de trabalho, não tendo adotado mecanismos transparentes de contratação de pessoal que assegurassem a igualdade e não discriminação dos candidatos a emprego”.
Era tudo ao molho e fé… nos amigos.
No dizer politicamente correcto do TC, “na sua maioria, os contratos de prestação de serviços celebrados pela Azorina foram precedidos da realização de procedimento por ajuste direto, no regime simplificado”.
Por outras palavras, uma fábrica de boys and girls, com dois administradores a ganharem 80 mil euros!
Pelo meio, uma enorme trapalhada com trabalhadores do Jardim Botânico da Horta e outra, ainda maior, com o ingresso de sete trabalhadores da ARENA “com base em motivos que não permitem sustentar a medida”.
Enfim, um forrobodó.
Agora, finalmente, tivemos acesso às contas certinhas.
É mais um dos muitos esqueletos a sair do armário.
E o panorama é este: a Azorina vivia, de facto, dos inúmeros Contratos-Programa que estabelecia com o Governo Regional, constituindo estas injeções de capital a parte mais significativa da sua receita.
Estas transferências, entre 2016 e 2020, totalizaram mais de 14 milhões de euros (14.148.539 euros, exactamente)!
Quanto aos seus anunciados lucros, constata-se, entre 2016 e 2020, que são tendencialmente negativos, não se verificando, pela análise dos Relatórios e Contas, qualquer melhoria substantiva: em 2016: -318.000 euros; 2017: -451.000 euros; 2018: +94.136 euros; 2019: +268 654 euros e 2020: 831 659 euros.
Ou seja, um total de mais de 1,2 milhões de resultados negativos acumulados.
Mas há mais: à data de hoje, o passivo bancário está próximo dos 6 milhões de euros!
É a isto que aqueles senhores chamavam de empresa “sólida, estável e robusta”.
Espero que a canícula não volte a interferir com o raciocínio das “Popotas”.
(Osvaldo Cabral – Diário dos Açores de 08/12/2021)
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