Views: 0
OS ETERNOS ESQUECIDOS (OU SERÁ, DISCRIMINADOS?)
Há cerca de 15 anos transcrevi o “Editorial”, abaixo, no sentido de chamar a atenção para os “maus tratos académicos” de que eram alvo as crianças e adolescentes com Dificuldades de Aprendizagem Específicas (DAE). Passados que foram 15 anos, a situação destes alunos não parece ter acolhido “melhorias significativas”. Estou até em crer que, com a publicação do Decreto-Lei 54/2018, de 6 de Julho, e após a (continuada) pandemia a atormentar a educação dos alunos com DAE, ela piorou substancialmente. Não será tempo de repensarmos a sua educação?
“EDITORIAL (REVISTA INCLUSÃO)
De acordo com vários especialistas, o termo dificuldades de aprendizagem (learning disabilities) serve para descrever uma desordem de origem neurobiológica que tem como fundamento uma estrutura ou um funcionamento cerebral diferentes. Esta desordem afeta a forma como a criança processa a informação, resultando em problemas quanto à sua capacidade de falar, escutar, ler, escrever, raciocinar, organizar e rechamar informação ou de fazer cálculos matemáticos. Esta multiplicidade de problemas não significa que uma criança os apresente todos. Assim sendo, cada caso é um caso cujas características específicas (por exemplo, problemas graves centrados na área da leitura, ou na da leitura e escrita, ou na da matemática, ou em aptidões sociais) determinam o tipo de desordem (dislexia, disgrafia, discalculia, dificuldades de aprendizagem não-verbais, entre outras). Este facto, amplamente apoiado pela investigação e retratado na literatura mais recente, fez com que se começasse a usar o termo dificuldades de aprendizagem específicas em vez de dificuldades de aprendizagem, embora, claro está, a problemática seja a mesma.
As dificuldades de aprendizagem específicas são uma desordem de carácter permanente, vitalícia, portanto, que, segundo o “National Institute of Health” Americano, afeta cerca de 15% das crianças e adolescentes americanos em idade escolar. Na sua forma mais severa (cerca de 5% da população estudantil), quanto mais cedo se efetuar a identificação e a avaliação destes alunos (nestes casos a avaliação deve ser muito mais completa, compreensiva, dado que há a necessidade de se elaborarem programações educativas individualizadas/PEI), maior oportunidade terão de se tornarem adultos bem sucedidos e produtivos, uma vez que eles possuem um quociente de inteligência na média ou acima da média.
No entanto, no que toca ao nosso país, para além de não haver qualquer estudo de prevalência que diga respeito a esta população, também a legislação não contempla esta categoria e, por conseguinte, os alunos que apresentam DAE são totalmente ignorados e, na maioria dos casos, entregues a um insucesso escolar total que leva a níveis assustadores de absentismo e de abandono escolar. E se apenas considerarmos uma prevalência de 5%, isto significará que, todos os anos, haverá dezenas de milhares de alunos com DAE negligenciados pelo sistema educativo, uma vez que não têm direito a qualquer tipo de serviço ou apoio que se enquadre no âmbito da educação especial. Ao negligenciar estes alunos, que todos os dias navegam nas correntes do insucesso, o sistema educativo está constantemente a dar passos em falso cujas consequências lhes são particularmente desastrosas. Mais tarde é vê-los na delinquência, na toxicodependência, no desemprego, enfim, sem qualquer esperança numa vida que, se a soubéssemos ter preenchido quando devíamos, poderia ter levado um rumo bem diferente.
É tempo de invertermos esta situação, pois, caso contrário, corremos o risco de estar a infligir nestas crianças o que eu designo por “maus-tratos académicos”, condenando-as, logo no início do seu percurso escolar, a um insucesso tal que dificilmente será recuperável.
Com uma situação tão negra a pairar sobre os alunos com DAE, não me parece despiciendo finalizar este editorial dizendo que, ao falarmos de Dificuldades de Aprendizagem Específicas, o grande desafio que se nos coloca é educar aqueles que as não têm.”
Luís de Miranda Correia
Professor Catedrático, IE, Universidade do Minho
15 comments
Like
Comment
View more comments
Flávia Rodrigues
Obrigada amiga pela informação. É pena que o governo não esteja atento a estas situações e, deste modo, as escolas encaram todos por igual. Enfim, é o país que nós temos. Beijinhos Raquel.
- Like
- Reply
- 1 h
Raquel André Machado
Flávia Rodrigues Verdade, minha querida…. Pelos vistos, nunca chegaremos lá… Os grandes prandes pedagogos morrem e os políticos ficam. Beijinhos grandes
- Like
- Reply
- 47 m