Os Açores são ingovernáveis?Osvaldo José Vieira Cabral

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Os Açores são ingovernáveis?
Um amigo lembrou-me há poucos dias, a propósito de outras circunstâncias, a famosa Lei de Murphy: Se é possível uma coisa correr mal, vai mesmo correr. Corolário: E isso acontecerá no pior momento possível.
O que estamos a assistir por estes dias é exactamente o corolário da fraqueza da solução encontrada para esta coligação, que, por sua vez, tem muito a ver com a mediocridade da qualificação política de alguns dos seus protagonistas.
A questão da formação ou qualificação dos políticos aparece pouco no debate das agendas políticas, mas ela existe e é reflexo de um problema muito mais profundo que afecta a nossa sociedade.
É dela que quero falar, não da crise política.
Na semana que se passou ocorreu um evento em Ponta Delgada onde a questão das qualificações foi abordada e que deixou, certamente, preocupados os que estavam presentes.
Trata-se do Fórum Regional da Qualificação Profissional, uma excelente iniciativa da secretaria de Duarte Freitas.
Por lá passaram vários especialistas e vozes plurais, com mensagens muito fortes sobre a importância da qualificação e o quanto andamos atrasados face ao país e aos restantes da Europa.
Uma sala cheia de formandos, formadores e alguns populares absorveu atentamente os dias de reflexão, sendo notória a ausência de empresários e outros parceiros sociais, o que, só por si, já reflecte, também, a fraca qualificação do nosso tecido económico e social.
De todas as intervenções, a do Professor e Investigador Francisco Simões foi a mais assustadora, no sentido em que os seus alertas deviam ser ouvidos pelos responsáveis políticos e parceiros sociais da nossa região.
O orador não disse nada que já não fosse conhecido nas suas inúmeras intervenções públicas ou em publicações científicas, mas ao focar-se no problema da educação nos Açores ficou claro que cerca de um quarto dos jovens açorianos não trabalha nem estuda.
É uma taxa escandalosa, que se torna ainda mais grave quando é sabido que ela está a baixar no país, convergindo com a União Europeia, quando nós, aqui na região, andamos ao contrário.
Esta fragilidade estrutural reflecte-se em tudo das nossas vidas, incluindo na qualidade da governação.
A nossa região está a transformar-se, há alguns anos, numa espécie de fábrica de gente pobre e desqualificada.
Os especialistas bem que nos chamam a atenção: temos baixas qualificações, uma taxa enorme de abandono escolar precoce, taxas de gravidez precoce fora do comum e monoparentalidade, acrescentando-se a tudo isso a liderança no acrónimo NEEF, jovens sem emprego e sem estarem integrados nos sistemas de Educação e Formação.
Estamos a criar na região uma bomba social que é preciso inverter rapidamente.
Os políticos falam tanto no PRR, nas Agendas Mobilizadoras, no novo quadro comunitário, mas referem-se pouco aos desafios da Educação e da Formação, provavelmente porque dão poucos votos.
O diagnóstico está mais do que feito e o Conselho Nacional de Educação acaba de fazer mais um : trata-se do relatório “Educação em Tempo de Pandemia”, em que ouviu directores, professores e outros intervenientes das escolas do país, incluindo das Regiões Autónomas.
Os resultados, mais uma vez, são assustadores no que toca à nossa região.
Por exemplo, ficamos a saber que, nos Açores, um quarto das escolas tem, pelo menos, 64% dos alunos provenientes de contextos desfavorecidos, que somos a região com mais alunos abrangidos pela Acção Social Escolar e que 76% dos professores açorianos qualificaram o aumento das desigualdades sociais como aspetos “graves” ou “muito graves”.
Mas há mais: ficamos ainda a saber que, no que respeita aos alunos e famílias, as dificuldades foram transversais às várias regiões de Portugal, embora de forma mais acentuada na Região Autónoma dos Açores, no Oeste e no Alto Tâmega.
Nestas três regiões, a fragilidade das competências dos alunos e das famílias terá comprometido muito o ensino e a aprendizagem no contexto de ensino remoto de emergência.
Temos as piores taxas, os piores números do insucesso da qualificação e uma taxa elevadíssima de jovens que partem e não regressam, não sabendo reter talentos.
As novas gerações que vão tomar conta da nossa região, em várias áreas, fá-lo-ão com que competências?
Percebem, agora, quando olhamos para grande parte dos nossos representantes na política, muitos são o espelho daquilo que andamos a formar nestes últimos anos?
Percebem, agora, a fraqueza da nossa política e dos nossos políticos?
24 Novembro 2021
Osvaldo Cabral
(Diário dos Açores, Diário Insular, Multimedia RTP-A, Portuguese Times EUA, LusoPresse Montreal)
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  • Jorge Pessoa

    A juntar a isso a qualidade dos nossos professores…
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    • Delia Fagundes

      Jorge Pessoa para fazer este comentário completamente descontextualizado, acredito que teve péssimos professores, formadores e educadores. Todos falharam a sua missão.
      Pessoas bem formadas e educadas sabem que em todas as profissões há profissionais bo…

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      • 9 h
  • António Miguel Sousa

    Realmente muito preocupante, e em diversos aspectos, o que nos espera o futuro… 🥺
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    • 10 h
  • Fátima Silva

    Osvaldo José Vieira Cabral reformei-me há 9 anos, e já tinha alunos desses. Coordenava os cursos do Profij e já pensava o que seria deles e de nós população!? Um horror. Sobre os políticos no governo, alguns mete dó. Mas onde ir buscar naquela geração,…

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    Paula Cabral

    Finalmente, alguém põe o dedo na ferida mais do que exposta, mas que ninguém quer ver! Partilho.
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    • 8 h
  • Joaquim Sousa

    Um diagnóstico feito estigma, que resulta da decadência consentida, sem inversão à vista.
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    • 8 h
  • Fernando Sousa

    Pois, o que esperavam? Um País que promove e nivela pela mediocridade e nunca pelo meritrocacia, o que se espera? Milagres?
    Educação: Ninguém é avaliado e por isso, toda a gente passa de ano, porque perder ou ficar atrás um ano, os meninos e meninas fi…

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  • Maria João Mendonça Fontes

    É admissível, nos dias que correm, ser-se Secretário Regional com o 12.° ano? É e depois é só seguir o “exemplo”.
    Mas isto só é possível na política, porque na administração pública estão todos devidamente separados por categorias: o AO, o AT e o TS e…

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    • 3 h
  • Sidónio Gonçalves

    “Não estudam nem trabalham”
    Mas trabalhar onde?
    Onde estão as empresas ou/e actividades económicas com falta de pessoal? …

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    • 1 h
  • Sonia Borges de Sousa

    Os empresarios ja sao obrigados a forma anualmente os seus quadros, decorre da lei, donde considerar que estao afastados é um erro. Os empresarios respondem inqueritos sobre necessidades, solicitam que reponham os antigos cursos tecnicos, os empresarios nao pretendem toxicodependentes que trabalham um dia e faltam dois, criam conflitos com colegas e nao só. As empresas formam centenas de jovens, nao recebem qualquer retribuicao por tal.
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