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O dia radioso como foi apanágio neste verão. A terra lançada como grão de poeira, é um mero escolho no Grande Oceano, a colorir o mar em tons de verde, a cor da ilha. Neste matrimónio desigual, a terra é finita, mais nova e apelativa, saída das entranhas do fogo, em eflúvios de magma, a mágica lava que encanta e seduz, à distância segura de um qualquer abrigo. O mar, condescendeu a envolver a ilha num manto de espuma, a burilar as abruptas escarpas, numas baías acedeu a depositar areia fina e enegrecida, sem jamais deixar de as banhar, pondo e tirando a seu bel-prazer. Para resguardar o brinquedo não dotou a ilha de angras, dificultando o acesso a corsários, obstando a que a perturbassem com seus botes. Nem sempre com sucesso, que a arte da pirataria tinha meios de violar as ilhas que se querem sem invasores. Repeliram investidas de fenícios, berberes, corsários, franceses, ingleses e outros, remetidos à proveniência depois de raziarem as terras, tomarem cativos para escravos e usando as mulheres para fins soezes como era hábito. Os que ficaram, tementes a deus, escravos dos elementos, volveram a cultivar a terra, arando os solos úberes, que a fúria dos fogos e tremores das entranhas ia vomitando, tentando aplacar a fúria e o castigo divino com preces, procissões e romarias.
Na ilha micaelense, olham para o umbigo, seja de vacas leiteiras que poluem montes, lagoas e ribeiras, sejam campos de milho, batata, beterraba, inhame, que as generosas chuvas insistem em regar de forma copiosa, até conseguirem mais do que uma colheita.
Não se pode confiar no mar que os invernos agrestes trazem ventos e marés de virar barcos, como em março 2011 o “Ana da Quinta”, de Âncora que desapareceu sem rasto, a 150 milhas das Flores. Não houve contacto e nunca apareceu.
Enquanto noutras ilhas as pessoas vivem do mar e para o mar, nesta, de costas para ele, ignoram-no, esquecem o único passaporte de saída para a alforria do feudalismo que impera e as agrilhoa. Na baía dos Moinhos sem baleias, golfinhos ou tubarões, as ondas cumprem o ritual lunar. Parado, a vê-las deixo-me encantar com a cadência incerta que as leva para onde só o pensamento conta e a vontade dos homens não domina. Hoje, nem náufrago nem perdido, mero marinhante, embalado pelos ventos, à deriva. Gostava de perpetuar momentos destes e torná-los permanentes, libertar-me da escravatura que nos impõem como preço de viver.
Neste paraíso que o inverno torna inclemente, as palavras fluem e vêm desaguar numa qualquer folha de papel. A mente liberta-se das peias do quotidiano e voga, como se viver fosse útil ou necessário. Por vezes, preciso sair das ameias do “castelo” e libertar-me da prisão sem grades que as ilhas tendem a ser. Podemos ser livres. Não precisamos de voar como os pássaros, nem nadar como os peixes, basta mar e sol, e a mente a vaguear no salgado eflúvio. A ilha é linda, mas, digo-vos, do outro lado só há mar.
Ouço as ondas aqui
onde o mar é rei
e senhor de todas as horas.
fui ao lado outro da ilha
lá onde nunca ninguém vai
e vi que era verdade
só há mar, nada mais
por todos os lados menos por um