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Rosely Forganes shared a post.
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Como se faz o luto de um massacre?
30 anos depois, pegaste novamente na mota e voltaste aos caminhos dos homens, teus companheiros, para celebrar a vida e honrar a morte. Montanhas, terra batida, pouco alcatrão, muito pó e pedras, ribeiras que é preciso atravessar. Durante 10 dias vais percorrer, novamente, a terra sagrada dos teus antepassados e, num misto de aventura todo-terreno e caminhada interior, levas a história dos dias que não podem esquecer-se. O homem feito que és voltou a abrir o coração, carregado de feridas e cicatrizes, do menino que eras. Sim! Eras um menino de 17 anos!
No ano passado, e há dois anos, e em todos os anos que passaram, desde que estamos juntos neste caminho, vejo, sinto e acompanho as lágrimas, os suspiros, os silêncios e as dores. E em todas essas emoções estás tu. Estás tu, estão todos os outros, está o som de cada tiro, a dor de cada companheiro, a ausência de cada desaparecido, a marca de cada tortura.
Eras tão menino!
Mas da pequenez dos teus 17 anos brotava uma força que te fazia enfrentar a morte. Com os teus companheiros preparaste-te para ela, a 11 de Novembro de 1991. Com eles, durante a noite sentiste o vazio e o medo ao pensar no fim. Com eles gritaste pela liberdade!
Qual o preço dessa liberdade? Que lutas travas, ainda hoje, com a memória desse dia e de tantos outros igualmente difíceis?
Sobreviveste! Sim! Mas contigo carregas o nome que te puseram por teres sobrevivido. Na tua língua és um mate-restu. És o que resta da morte!
Mas a vida continua, e tu voltas a percorrer a nação pela qual lutaste. Voltas aos lugares mais isolados e remotos, para reencontrar todos os que tiveram um destino igual ao teu. Voltas aos cemitérios espalhados por esse país fora, homenagear os que partiram. Pedes-me que na Cruz Boot acenda uma vela por cada um dos que não consegues ir visitar, pedes-me para lhes dizer que não te esqueces deles, para lhes dizer que não ficaram fora do abraço grande que vos une nessa irmandade da luta.
Abraças mães, pais, filhos, que vivem na esperança de um dia terem notícias dos seus entes queridos desaparecidos até hoje.
Nestes dias, usas, novamente, a tua voz para dar a palavra aos que a perderam. Voltas a sentar-te com comunidades distantes, para partilhares o que significou esse dia. Embarcas novamente nessa viagem ao fundo de ti mesmo, para travares a mais dura de todas as lutas, a tua!
Dalan ba memória! Percorres o caminho da memória! O caminho para a memória, para as tuas memórias. O único caminho, talvez, para o luto interior, para abrir o coração, para não esquecer os valores pelos quais lutaste e para fazer deles a tua força. O caminho para não esqueceres quem foste e o que defendeste. Lutaste pela liberdade, pela paz, pela tolerância, pela justiça social, mas acima de tudo pela dignidade de cada pessoa. Poderás ser um mate-restu mas, para mim, serás sempre alguém que transborda de vida, mesmo nos momentos de fragilidade e de dúvida!
Este ano levas ainda a tristeza da perda um homem bom, um defensor dos direitos humanos, um amigo, Max Stahl, e de dois líderes que muito respeitavas, Ma’ahunu e D. Basílio e de todos os companheiros que desapareceram este ano.
Passados 30 anos, espero que as tuas bandeiras continuem a ser sempre a de Timor-Leste, a dos valores que o 12 de Novembro representa e a da solidariedade. Maromak, Beiala no Matebian sira 12 novembru sei akompaña!
Muito orgulho e respeito,
Um grande obrigada, por fazerem parte do caminho, aos meus filhos e irmãos de coração Noy Lobo Belo, Romario Miguel, Mampo Madeira, Leo Harii Pawiro LorikuMahameru, Solita Abuk da Cruz, David Neto , Laloran Betano, Apoly Salvador Da Costa, Olan Bere Cailaco, Ryo Loriku Lialuli, Nina, Given, Resibere, Nino, Nívio, El Campos, Nuno Ridenio. O meu obrigada ao Maun Gregorio Saldanha, aos irmãos Sobreviventes de Santa Cruz, aos membros da polícia Trânsito Nacional – DTSRN.