o escritor holandês de Estevais

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J. Rentes de Carvalho: “Perdi muito cedo a ingenuidade porque comecei a ler”
A entrevista com o escritor mais português da Holanda realiza-se num dia tórrido em Trás-os-Montes. A temperatura oscilava entre os 35 graus fora do vale onde fica Estevais e os 45 graus na localidade. Há um ou outro habitante na rua, sentados em cadeiras à sombra das casas, mas pouca é a gente que abandona o fresco da residência. Afinal, Estevais localiza-se ainda depois do fim do mundo, mesmo que o acesso desde Lisboa seja quase integralmente por autoestrada.
Uma terra onde se pode beber um bagaço a qualquer hora mas não comer umas sandes nos cafés locais. Quando se entra no único estabelecimento que está aberto, o famoso 007, é preciso esperar alguns minutos até que a patroa dê pelo cliente. O pior é quando se pede alimento e o “não há nada” surge como imediata resposta. Engole-se em seco o que se gostaria de responder prontamente à senhora e lamenta-se a ausência de experiência gastronómica em Estevais. Tudo em silêncio, para não deixar o escritor malvisto entre os seus pares. Nem é preciso perguntar onde fica a casa de J. Rentes de Carvalho, porque um carro com matrícula holandesa denuncia-o. Fica na rua paralela à principal, que termina num chafariz e ao fundo tem o cemitério, com vista para a serra de terra avermelhada e seca, com árvores aqui e acolá. É uma casa amarela, que pertencia ao avô materno e que em 1999 estava a cair aos bocados. Então, o escritor decidiu com a família recuperar a ruína e ao mesmo tempo homenagear o antepassado. Se o fizesse, mantinha-se o vínculo com Portugal; se não a reconstruísse, era a despedida definitiva. A decisão pela positiva fez que o casal passasse a vir ver as obras a cada três meses e tornasse rotina essa vida dividida entre Estevais e Amesterdão. Uma entrevista sem pressa, afinal Rentes gosta de conversar.
Está de partida para a Holanda. Leva alguma coisa nova desta estada em Estevais?
Não, levo sempre o mesmo sentimento de ao fim de um tempo ter necessidade de voltar à Holanda. E, estando na Holanda, tenho necessidade de voltar a Trás-os-Montes depois de um tempo. Daí que tenha criado esta rotina em que se alterna três meses aqui e outros tantos na Holanda.
E a família tem paciência para vir a Estevais e ficar cem dias?
É um ambiente muito diferente, mas é a mesma casa, aqui ou em Amesterdão. São apenas dois modos de vida social e familiar totalmente diferentes. Aqui não tenho família nenhuma, além de uns primos em 6.º ou 7.º grau. Eu sou o último, a minha família agora é de holandeses… Sou o último e, na família, o único português serrano.
Então, a prole Rentes de Carvalho acaba consigo?
Se me acontecer morrer aqui, enterram-me aqui. Se me acontecer morrer na Holanda, fazem à boa maneira holandesa: umas cinzas e espalham-nas por aí e pronto.
Este é um assunto um pouco mórbido para estarmos a falar…
Não é, não!
É-lhe indiferente ficar num lado ou ficar no outro?
Indiferente… Totalmente, não é. Mas veja o dilema: ou tenho aqui um pedaço de terra onde não nasci mas fui gerado – porque fiz as contas, os meus pais casaram-se em agosto e eu nasci em maio, portanto, são nove meses certinhos, mesmo que tenha ido nascer a Gaia.
É uma questão sentimental?
Desde que me conheço foi sempre o lugar para onde gostava de vir. Às vezes, passava aqui grandes temporadas em miúdo e nas férias vinha aqui sempre. Quer dizer, é um lugar muito, muito, muito querido para mim. Amesterdão é o lugar onde vivo há 60 anos e tenho família. Onde me sinto tão à vontade como se tivesse nascido lá.
Durante muitos anos foi impedido de voltar a Portugal?…
Estive 14 anos sem vir. Não tinha o direito a regressar ao país porque seria preso ou qualquer coisa no género. Mas isso é história velha, é história passada.
Na altura achou mesmo que poderia ser preso?
Nem por isso, porque se eu tinha muitos amigos comunistas, tudo rapaziada do liceu, também havia o meu pai, que tinha um amigo que era inspetor da PIDE. E ele, sendo amigo de seu amigo, disse: “Tenha cuidado, meu rapaz. É melhor que se vá embora, porque senão pode acontecer-lhe alguma chatice.” Quer dizer, havia a possibilidade de acontecer e naquele tempo não havia garantia nenhuma de sossego pois a polícia podia fazer o que quisesse.
Diário de Notícias
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Antonio Castro

Os meus parabéns para um escritor que muito aprecio