novo hospital privado nos Açores, Lagoa

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Mário Abrantes

O Hospital da Lagoa

Muito brevemente abrirá portas na cidade da Lagoa o primeiro hospital privado da Região, o Hospital Internacional dos Açores, da responsabilidade de um grupo multinacional. O investimento seria sobretudo vocacionado para uma unidade de turismo de saúde, dirigido nomeadamente para clientes norte-americanos. Até aqui nada em contrário, um hospital privado para clientes de luxo que traria alguma mais valia para o concelho da Lagoa, eventualmente a criação de alguns postos de trabalho, e o pagamento dos impostos inerentes. Só que a situação é, no entanto, um pouco diferente…

O investimento é afinal suportado em mais de 50% por dinheiros públicos, começando pelos terrenos que foram cedidos (não vendidos ou arrendados, note-se) pela Câmara da Lagoa, e conta com uma comparticipação de fundos comunitários e da Região na ordem dos 17 milhões de euros, sobre um total de cerca 30 milhões, o valor em que a obra foi avaliada. De acordo com os seus promotores, este Hospital seria afinal uma estrutura “ao serviço da Região”, destinada “a dar melhor saúde aos açorianos”, a aumentar a oferta de especialidades e do seu atendimento quantitativo e a ajudar “a diminuir as listas de espera da cirurgia”. Vejam só, além das imensas benesses públicas já afetas à sua estrutura privada de saúde, os promotores, ainda insatisfeitos, atiram-se de seguida descaradamente não para o turismo luxuoso de saúde, mas para uma grande parceria com o Serviço Regional de Saúde, assegurando assim o futuro do seu negócio pelo recurso aos nossos descontos e impostos, e através dos fundos comunitários que deveriam ser diretamente aplicados na melhoria dos serviços públicos de saúde exatamente nas áreas onde este hospital privado manifesta intenção de intervir de forma prioritária.

Diria que, ao contrário do que proclamam os promotores do hospital da Lagoa, esta estrutura não se destina tanto a “dar melhor saúde aos açorianos”, mas antes, e de forma bem menos romanesca, a sustentar-se praticamente à custa da saúde dos açorianos…

E não estou a especular em vão. Na sequência da entrada em funcionamento de diversas unidades hospitalares privadas no Continente, após a criação, em setembro de 1979, do Serviço Nacional de Saúde (SNS), bem como após as diversas alterações legislativas que entretanto têm vindo a moldar a regulamentação deste, os estudos mais recentes revelam que a dependência dos grupos privados que gerem esses hospitais face ao setor público é muito grande. De facto, sempre de acordo com os estudos divulgados, verifica-se que 51% das despesas dos hospitais privados do país são pagas pelo Estado, isto é, por todos nós (convenções com o SNS, ADSE e deduções fiscais). Por exemplo, em 2015, só pela prestação de cuidados que os hospitais públicos não conseguiram realizar, o SNS pagou quase 600 milhões de euros aos privados.

Por esta via, os dinheiros públicos empregues e a empregar futuramente no novo hospital ficarão em última instância indisponíveis para o suprimento direto das insuficiências atuais do funcionamento dos três hospitais públicos dos Açores e do Serviço Regional de Saúde (SRS), e para o melhoramento deste último em condições de gratuitidade, qualidade e igualdade de acesso que é sua obrigação estatutária proporcionar a todos os que vivem nestas ilhas.

Por fim, quanto à União Europeia, tão afoita em largar milhões para este investimento, verifica-se que tem sempre fechado os cordões ao financiamento direto dos serviços públicos de saúde e agora, face à pandemia, quando finalmente anunciou uma possível abertura para esse financiamento, continua sem perceber-se, após a última reunião do Conselho Europeu, se ele de facto irá acontecer, e, caso aconteça, quais os montantes e mediante que condições…