NOSTALGIA DE PAI

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Artur Arêde shared a memory.

 
“Há uma quebra na história familiar onde as idades se acumulam, se sobrepõem e a ordem natural não tem sentido: é quando o filho se torna pai do seu pai. É quando o pai envelhece e começa a fraquejar, como se estivesse dentro de uma névoa. Lento, devagar, impreciso. É quando aquele pai que segurava com força nossa mão já não tem como se levantar sozinho. É quando aquele pai, outrora firme e intransponível, enfraquece de vez e demora o dobro da respiração para sair de seu lugar. É quando aquele pai, que antigamente mandava e ordenava, hoje só suspira, só geme, só procura onde é a porta e onde é a janela – tudo é corredor, tudo é longe. É quando aquele pai, antes disposto e trabalhador, fracassa ao tirar sua própria roupa e se esquecerá de tomar os seus remédios. E nós, como filhos, não faremos outra coisa senão trocar de papel e aceitar que somos responsáveis por aquela vida. Aquela vida que nos gerou, e depende de nossa vida para morrer em paz. Quem sabe, a velhice do pai e da mãe seja curiosamente nossa última gravidez. Nosso último ensinamento. Fase para devolver os cuidados que nos foram confiados ao longo de décadas, de retribuir o amor com a amizade da escolta. E assim como mudamos a casa para atender nossos bebês, protegendo as tomadas eléctricas e colocando barreiras de protecção, vamos alterar a rotina dos móveis para criar os nossos pais. Uma das primeiras transformações acontece na casa de banho.
Seremos pais de nossos pais na hora de pôr uma barra na banheira do chuveiro. A barra é emblemática. A barra é simbólica. A barra é inaugurar um cotovelo das águas. Porque o chuveiro, simples e refrescante, agora é um temporal para os pés idosos de nossos protectores. Não podemos abandoná-los em nenhum momento, inventaremos nossos braços nas paredes. A casa de quem cuida dos pais tem braços dos filhos pelas paredes. Nossos braços estarão espalhados, sob a forma de corrimões. Pois envelhecer é andar de mãos dadas com os objectos, envelhecer é subir escada mesmo sem degraus. Seremos estranhos em nossa residência. Observaremos cada detalhe com pavor e desconhecimento, com dúvida e preocupação. Seremos arquitectos, decoradores, engenheiros frustrados. Como não previmos que os pais adoecem e precisariam de nós? Nos arrependeremos dos sofás, das estátuas e do acesso em caracol, nos arrependeremos de cada obstáculo e tapete. E feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte, e triste do filho que aparece somente no enterro e não se despede um pouco por dia.
No hospital, a enfermeira fazia a manobra da cama para a maca, procurando repor os lençóis, quando o filho gritou de sua cadeira:
Deixa que eu ajudo.
Reuniu suas forças e pegou pela primeira vez seu pai no colo.
Colocou o rosto de seu pai contra seu peito.
Ajeitou em seus ombros o pai consumido pelo cancro: pequeno, enrugado, frágil, tremendo.
Ficou segurando um bom tempo, um tempo equivalente à sua infância, um tempo equivalente à sua adolescência, um bom tempo, um tempo interminável.
Embalou o pai de um lado para o outro. Aninhou o pai. Acalmou o pai. E apenas dizia, sussurrado:
Estou aqui, estou aqui, pai!
O que um pai quer apenas saber no fim de sua vida, é que os seus filhos estão ali. “

Artur Arêde is feeling nostalgic