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POSTAL DO DIA
O que lhe terá passado pela cabeça?
1.
Não sei como começar este Postal.
Talvez me atreva à ditadura do óbvio: a vida está sempre a surpreender-nos, sempre a colocar à prova a nossa credulidade, sempre a testar a nossa capacidade para compreender o espírito humano, a perversidade humana, a estupidez também.
Dou voltas e não consigo entender o que terá passado pela cabeça de Nelson Évora.
Talvez uma questão de ego – há pessoas que por terem tocado uma sombra do Olimpo não andam na mesma superfície do que o comum dos mortais, há gente que paira sobre os outros, sobre os países e o destino do planeta, sobre tudo o que não seja o seu próprio desígnio.
Algumas pessoas que marcaram o tempo e a história eram assim.
E talvez se não fossem assim o tempo em que viveram não teria sido revolucionado pela sua arrogância.
2.
Mas um egótico corre sempre o risco de ser ridículo.
A fronteira entre o ridículo e a grandeza por vezes é ténue.
(demasiadamente estreita)
No caso de Nelson Évora o seu ego traiu-o.
E quando tal acontece as pessoas são capazes de fazer o impensável, capazes de alienar tudo o que construíram.
3.
Nelson Évora implicou com Pichardo desde que ele aterrou no aeroporto, em 2017.
Foi deselegante várias vezes.
Questionou a rapidez com que foi naturalizado poucos anos depois de ter chegado.
Fez juízos de valor sobre o que se faz para ganhar, sobre a ética no desporto, sobre tudo e mais alguma coisa.
Pichardo nunca lhe respondeu.
Engoliu em seco o bullying do campeão português e prosseguiu.
Nelson Évora talvez fosse a última pessoa que ele esperaria que pudesse questionar o seu processo de naturalização.
A última pessoa que imaginaria poder tratá-lo como estrangeiro na terra que decidira ser a sua terra.
Évora era um atleta amado em Portugal, natural também de um outro país, especialista na mesma modalidade e um homem que ultrapassara preconceitos e dúvidas.
Tal como ele.
4.
Entre 2017 e 2021 o clima foi sempre de cortar á faca.
A influência de Évora junto de outros atletas fez-se naturalmente sentir
(estamos a falar de um dos quatro campeões olímpicos na história do desporto português – agora cinco)
E Pichardo, ao que me dizem, cerrou fileiras, isolou-se e foi fazendo o seu trabalho.
5.
Mas tudo isto é nada quando comparado com o que aconteceu nos Jogos Olímpicos.
Nelson Évora, ou o seu ego, atreveu-se a um salto que deve ter batido todos os recordes mundiais vistos neste planeta e em qualquer outro.
(infelizmente um recorde mundial que a maioria dos portugueses não gostaria de ter visto).
Depois da qualificação do triplo salto, uma qualificação dramática e comovente para Évora, declarou a um jornalista que um dia Pichardo iria acabar por aprender com a vida.
As declarações foram feitas antes de uma final que poderia dar a Portugal uma medalha de ouro!
E na final, o campeão olímpico português fez claque pelo adversário do seu próprio companheiro de seleção.
O país viu as tristes imagens.
Difícil apagar isso.
6.
Ninguém tira o que Évora fez.
A sua capacidade de superação, o seu estoicismo, os títulos.
Um atleta formidável, um dos melhores da história do atletismo.
Mas o que fez, se não estivéssemos em Portugal, significaria uma expulsão imediata da delegação portuguesa.
(tendo sido certamente ponderado ainda bem que não aconteceu pois devemos preservar o tanto que nos deu).
Mas imaginem que isto acontecia na seleção dos Estados Unidos.
Ou na de Espanha.
Ou França.
Ou Inglaterra.
Ou Alemanha.
Ou qualquer outra seleção do primeiro mundo.
Imaginem que um atleta que, para piorar as coisas, fora porta-estandarte na cerimónia de abertura, ficava a bater palmas e a dar gritos de incentivo a um concorrente de um outro país durante a final de uns Jogos Olímpicos?
Imaginem.
Sabendo que é impossível imaginar tal coisa sem concluir que existiriam consequências imediatas.
Mas assunto encerrado.
Um dia a vida encarregar-se-á de ensinar a Nelson Évora, se ele verdadeiramente a quiser ouvir, a vida soprar-lhe-á ao ouvido a verdade sobre isto de ser humano, sobre isto aqui.
LO
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