NATÁLIA CORREIA NA ORIGEM DA DEMISSÃO DE SARAMAGO

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Sabem o que levou Saramago a demitir-se da Editorial Estúdios COR? Se acaso não sabem, lendo esta carta para Miguéis, ficarão a saber .
Lisboa, 8 de Novembro de 1971
Se um homem vai a passar junto da Torre de Pisa e a torre lhe cai em cima e o esmaga, todo o mundo achará natural, pois a torre já estava inclinada. Até se pensará que há certa beleza em ficar esborrachado debaixo de tão ilustres pedras.
Mas se em cima desse homem desaba, sem aviso prévio, um monte de merda, todo o mundo ficará espantado, pois não são costumeiros tais desabamentos, nem ninguém será capaz de perceber donde veio tão grande quantidade de trampa.
Estas considerações escatológicas têm a seguinte explicação: demiti-me da editora em virtude de me terem criado uma situação vexatória, qual seja a admissão de um novo director literário (Natália Correia) imposto pelo grupo financeiro que tomou posição na firma.
Tudo isto se passou na minha ausência em férias (entre 15 de Outubro e 2 de Novembro, e depois de ao longo de anos se ter dito aqui, em todos os tons, que nunca se quereria um director literário realmente director. E quando a questão foi posta aos Srs. Canhão e Correia, estes senhores não tiveram a coragem moral mínima de defenderem a minha posição aqui dentro, o meu trabalho de quinze anos, Aceitaram tudo a troco e um prato de feijões. Venderam-me supondo que eu estava à venda. No que se enganaram.
Tudo isto já vem de longe. Por alguma razão as suas cartas têm caído num poço de silêncio. Tenho-me recusado a tratar de certos assuntos enquanto toda a mi há situação na editora não fosse esclarecida de vez. Acabou por sê-lo agora, em termos que, confesso, não esperava. Porque a safadeza ainda foi maior que a minha ingenuidade.
Saio no dia 31 de Dezembro para entregar, com tempo, os assuntos noutras mãos, mas foi a partir do dia 3 de Novembro que deixei de tratar de qualquer questão para além do que considero ser minha estrita obrigação. Outras pessoas comunicarão consigo para tratar dos seus assuntos.
E é tudo. Se no dia em que daqui sair não tiver ainda (já) outro emprego, começo o ano da estaca zero, completamente desprovido. Mas continuo a ter uma grande consideração por mim mesmo.
Um abraço do seu José Saramago
Miguéis escreveu na margem desta carta: «Bravo! Seu Saramago.»
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Irene Domingues

Pois não sabia!
Esta carta aclarou-me a memória,sobre o Portugal entre 1970 e 74.
Obrigado pela partilha.
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