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VIVO NUMA TERRA DE GENTE FELIZ, 26.6.2018, CRÓNICA 201
Era uma vez uma terra de gente alegre, vacas felizes, um paraíso na terra. A economia de vento em popa com hotéis e turistas, e tudo parecia bom. O dinheiro corria a jorros da fonte de Bruxelas para as vacas, com esmolas para os pescadores, enquanto a Faixa de Gaza, com o maior crescimento populacional do país, vivia dos rendimentos sociais para compensar injustiças do passado.
O Estado prometia livrar-se das empresas públicas onde se albergavam imigrantes ilegais dos partidos no poder por décadas.
Faltava acrescentar toques à mágica receita da ministra Veronica Skvortsova, ministra da Saúde da Rússia, a fórmula da eternidade: “O aumento da idade da reforma prolongará a vida“.
Era um povo tão feliz, alegre, satisfeito, e sorridente que se mantinha colonizado, sem o saber, atento e venerando às migalhas que os senhores atiravam. Mas já não usavam chapéus para os tirarem quando, curvados, agradecessem. E, como atentos e venerandos sempre haviam sido, assim se quedavam, pois sabiam que os subsídios e apoios à lavoura, não deixavam senão migalhas às artes e literatura quase secas como o Saara. Nem sabiam, nem a escola (que cedo abandonaram pelas vacas) lhes ensinara quem dissera… “… As couzas que padecem os moradores desse afligido reyno, bastarão para vos desenganar que os que estão fora desse pezado jugo, quererião antes morrer livres, que em paz sujeitos. Nem eu darei aos moradores desta ilha outro conselho… Porque um morrer bem é viver perpetuamente… “.
Disse-o Ciprião de Figueiredo (155?– 1606), 1º conde da vila de S. Sebastião (por D. António I), corregedor dos Açores durante a crise de sucessão de 1580, governou o arquipélago durante o período que se seguiu à aclamação nas ilhas de D. António, Prior do Crato como rei de Portugal. A ele se deve a fortificação e organização da defesa da Terceira que levou à vitória na Batalha da Salga.
Embora os pais tentem obstar que os filhos tenham frustrações, elas são importantes para o desenvolvimento humano, mas nem assim se evitavam as taxas de suicídio mais elevadas do país na terra das vacas contentes. Os condutores na terra das vacas sorridentes andam felizes nas estradas, sem carta de condução, sem seguro, muitas vezes alcoolizados, a falar ao telemóvel e a pedirem mais subsídios para a pecuária e lavoura.
Não era gente muito dada aos livros e estudos, pois o abandono escolar prematuro era o mais alto do país, mas isso devia-se sobretudo à felicidade de ir lidar com as vacas, mais interessantes e risonhas que os chatos dos professores.
No setor dos serviços, na indústria hoteleira e afins, um enorme e triste amadorismo, má vontade, falta de preparação e desconhecimento de que o cliente é quem paga os salários dos funcionários, e para isso as belezas naturais não chegavam para encobrir o mau funcionamento do setor.
Por outro lado, pretendendo ser virado para o bem-aventurado turismo o ano inteiro, fechavam-se os balneários, de outubro a maio, e não havia pessoal nadador-salvador nesses meses, em praias de correntes e contracorrentes, ocultas pelo benigno clima.
Os trilhos, muito procurados pelos amantes da natureza, sem manutenção adequada na maior parte do ano, sujeitos a chuvas, intempéries e derrocadas, além do normal acumular de lixo que se propagava em todos os cantos que nem praga de ratos, que estes também proliferavam nas cidades e campos, tal como as térmitas que iam devastando largas porções do parque habitacional nas principais cidades.
Havia coisas a melhorar, dar vida ao velho burgo quando milhares de turistas de cruzeiros caíam sobre a cidade, que nem uma praga de gafanhotos, para encontrarem lojas e museus encerrados, cumprindo o horário de repartição pública.
Tinham de se abrir os urinóis da cidade fora do horário de expediente, recuperar a velha zona da cadeia superlotada, descaraterizada por aterros, obras inacabadas, um monstro de galerias de cimento à espera de serem demolidas enquanto os mais afoitos iam ao casino tentar a sorte.
Melhor sina estava prometida para o fabuloso esqueleto do velho hotel, sobranceiro às mais belas lagoas do mundo que foi comprado e ia ser restaurado na Vista do Rei, mas nesta ditosa terra de promessas, mais vale ser como S. Tomé, ver para crer…
Ah! E o lixo! Enquanto alguns iluminados no poder clamavam pela coincineradora (a nova, verdadeira e original banha da cobra), a Europa já não a propugnava, e os opositores provavam que nem sequer era solução dada a dimensão da ilha.
E o povo afortunado e radiante, como era feliz como as vacas, satisfeito, continuava a mandar tudo para o chão, fosse no dia-a-dia ou nas inúmeras festas que aconteciam em todas as freguesias e lugarejos, sem entenderem que esse lixo e esses plásticos iriam voltar na comida para as suas mesas, fosse misturado com o sal ou no sistema digestivo de peixes e mariscos. A educação cívica ainda constava dos currículos das escolas que não frequentavam.
Conheço picos de gente que exigem reembolso por cancelamentos, atrasos, pois, nessa terra feliz, havia uma companhia de aviação complicada, com tanto débito que era capaz de afundar o Titanic, mas ninguém sabia quanto é que pagava por indemnizações, cancelamentos de voos, desvios de rotas estabelecidas, aluguer de aeronaves, remarcação de viagens, acomodação de passageiros em terra, e as mil e uma peripécias atribuladas para quem voa na transportada aérea do sítio mas deixemo-nos de treta, numa época em que viajar é tão banal, a companhia acrescentou o elemento surpresa a quem viaja e nunca se sabe se vai viajar, já que raramente chega a horas, e dá a conhecer aos passageiros outros aeródromos e locais que não constavam do plano original de voo. E tudo sem pagarem, que generosidade.
A SATA teve um avião que custou muitos milhões com decoração de um cachalote, parado anos, pois ficava mais barato pagar o estacionamento do que pô-lo a voar. Rico negócio, alguém sussurrava.
Nesta terra de gente feliz clama-se pela expansão de dois aeródromos vizinhos no Grupo Central, mas os interesses da capital do Império acicata guerrilhas bairristas tribais que só protelam qualquer estudo ou aumento das pistas. Os turistas iam sempre ficar a ver navios, que um dia de são nunca pela tardinha, serão construídos, enquanto o “Atlântida” encomendado e recusado, andava feliz a faturar por terras da Noruega, mas isso é outra lenda, das histórias mal contadas em que as terras de bruma eram férteis, na sua democracia escamoteada e controlada há décadas pelos mesmos.
A “democracia vigiada” do Presidente Suharto, da Indonésia, permitiu um progresso económico notável e o general de sorriso constante, voz clara e forte e fala pausada, passou a ser entre o povo, o Bapak Pembangunan (Pai do desenvolvimento). Curiosamente, como acontece sempre, até os mais duradouros têm o seu ocaso, e com a crise financeira asiática de 1997, o regime autocrata, um dos mais corruptos, vem abaixo. Meras semelhanças.