MÁRIO-HENRIQUE LEIRIA: um favortito meu muito injustamente esquecido

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MÁRIO-HENRIQUE LEIRIA: O CENTENÁRIO DO «ARTISTA MALDITO»
Se há «artistas malditos», Mário-Henrique Leiria (1923 – 1980) foi, sem dúvida, um deles. Escritor e pintor surrealista, autor dos “Contos do Gin-Tonic” (1973) e dos “Novos Contos do Gin” (1974): uma das vozes mais originais e invulgares que a arte portuguesa já conheceu.
Apesar da obra pouco extensa e dispersa, Mário-Henrique Leiria era um artista de grande qualidade e diversidade. No seu trabalho coabitam na perfeição a linguagem verbal e a plástica, sempre com o seu toque especial de ironia: «O meu viver é pintar, desenhar, agatanhar ideias e procurar coisas.»
Bem-disposto, divertido, trocista, crítico, provocador, sarcástico, brutal, cruel, irreverente, revolucionário, guerrilheiro, marginal, escreveu um dia: «Há caminhos que levam à torta de chocolate e outros que levam ao inferno. Quanto a mim, acho os segundos mais excitantes; pelo menos lá é quente e há gin.»
Mário-Henrique Leiria foi famoso um tempo, nos anos 70, após a publicação dos seus Contos do Gin, e anónimo toda a vida; foi surrealista e depois zangou-se e bateu com a porta, porque se moveu sempre com grande liberdade criativa e experimental; bebeu muito gin e tudo quanto era álcool (até mesmo álcool puro); homem de muitos ofícios, por necessidade do pão para a boca que a arte não lhe proporcionava; preso político no Forte de Caxias; emigrante no Brasil onde viveu nove penosos anos; azarado no amor (casou uma vez e, ao fim de dois anos e pouco, a mulher trocou-o por outro); passou fome e a doença nunca o largou: sofria, entre outras maleitas, de artrite reumatoide, levando anos a escrever os seus textos à máquina, batendo só com um dedo, por não conseguir sequer segurar uma caneta; foi um solitário apesar de alguns amigos (que muitas vezes o ajudaram financeiramente); morreu muito debilitado fisicamente e na miséria, aos 57 anos.
«Vivo entre o sonho e a solidão, dirás tu. É possível. Às três ou quatro da manhã já tenho suficiente whisky ou brandy para saber que a paz só chega quando morremos.»
Paz à sua alma.
Nota: Foram recentemente lançados quatro volumes, cada um focado num aspeto do seu trabalho (Obras Completas de Mário-Henrique Leiria: ficção; poesia; manifestos, cartas, textos críticos e afins; e obra gráfica) pela editora E-Primatur, com introdução e organização de Tania Martuscelli, professora na Universidade do Colorado, em Boulder, nos EUA, a maior especialista na sua obra.
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Chrys Chrystello

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