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Um ano se passou desde o meu encontro com as “serpentes do paraíso”, quando contraí o covid na ilha das Flores e fiquei (pelo menos por algumas horas) na condição de doente e sem abrigo.
Acabei por não agir judicialmente contra quem me colocou em tal situação, uma porque os juristas que consultei (advogados locais e também o Depto. Jurídico da DECO) não me deram garantias de ganhar, dado que parecia haver uma lacuna legal no facto de que enquanto era então obrigatório o isolamento aos infectados com covid, ninguém tinha porém a obrigação de lhes proporcionar a possibilidade de ficarem isolados, ou sequer debaixo de telha. Lembrando-me das (outras) ocasiões em que, pela vida fora, outros advogados me disseram “a senhora não vai ganhar, é melhor desistir”, acerca de outros assuntos, e eu mesmo assim insisti e ganhei, eu teria avançado e lutado, não fossem os nossos governos, tanto o central como o regional, algumas semanas depois terem posto fim à obrigatoriedade do isolamento dos doentes com covid. Já não valia a pena fazer mais nada, pois já ninguém voltaria a ficar na mesma situação.
Todos (ou quase…) aqueles a quem expus o assunto (Inatel, Secretários Regionais do Turismo e Saúde, Presidente da ALRA, etc.) me responderam, manifestando a sua pena e solidariedade perante o sucedido mas também a sua incapacidade de fazer fosse o que fosse em relação ao assunto. O sr. Presidente da ALRA disse-me ter passado o assunto aos deputados, e desse lado não tive mais notícias. E o então sr. Secretário Regional da Saúde foi a excepção, pois foi o único que não se dignou sequer dar resposta à minha exposição.
As consequências disto tudo foram que deixei de ser sócia do Inatel – é evidente que não me interessa permanecer ligada a uma instituição (Fundação!) que tão pouco respeito manifestou por uma das suas associadas – uma certa deterioração do meu estado de saúde, sobretudo pulmonar, que (dizem os médicos) poderá ser sequela a longo prazo do covid, mas sobretudo aprendizagem. Porque afinal aprendemos até nas situações mais difíceis, e não deixou de ser interessante ver em acção lado a lado a ganância, a ignorância, a crueza e a insensibilidade de alguns e a bondade, o bom senso e a disponibilidade e compaixão de outros. Fiz novos amigos e consolidei velhas amizades, desde o taxista que não se recusou a me transportar (e até me agradeceu, porque o informei da minha doença) às bondosas pessoas que me acolheram, sabendo do meu estado, e me arranjaram lugar onde ficar, quando eu já me resignara a dormir pelo menos uma noite ou duas ao relento – como um sem abrigo, na terra de meus pais.


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- Virgínia Cabral CamiloQuerida Professora, eu lembro-me do ocorrido, lembro-me da dor que senti por si… Enfim… Perdoai porque eles são uns fracos… Beijinhos
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- Maria Antónia FragaVirgínia Cabral Camilo muito obrigada. De facto foi um mau bocado, mas temos de aceitar que as leis humanas não são perfeitas, e que por outro lado, “nas ocasiões é que se conhecem as pessoas”… beijinhos e obrigada pelo teu carinho.
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- Maria Antónia FragaA atitude do Hotel, para mim, foi das menos aceitáveis, embora tenham agido “dentro da lei”. Um hóspede termina a sua reserva, paga o que deve e é posto fora sem qualquer problema, mesmo que esteja doente e (no caso) a precisar de ficar isolado. Daqui já se vê que nem sempre a lei dos homens e a lei moral estão de acordo, embora por vezes a primeira se tente pôr de acordo com a segunda… mas como é feita e criada por humanos, tem sempre as suas falhas. O hotel estava de facto cheio, e logo que eu saísse após limpeza do quarto já o cederiam a outros hóspedes; mas penso que, se tivesse entrado alguma humanidade no assunto, que não entrou, a gerência (já que não tinha reservado nenhum quarto para esta possibilidade) poderia ter mandado preparar rapidamente outra divisão, (que nem precisaria de ter vista para o mar nem grandes luxos) apenas com o essencial, divisão que me teriam proposto, e eu teria aceite, e pago o que me pedissem por ela! Nada disso. Limitaram-se, como robots, a me repetir “não temos lugar”, e que teria de sair no dia seguinte, e tudo o que fizeram foi dar-me contactos de outros alojamentos na ilha, coisa que facilmente se obtém na internet – em nada me auxiliando, pois. Surpreendeu-me muito esta atitude meramente mercantilista por parte da gerência de um hotel que pertence a uma Fundação, logo teoricamente o seu fim último nem é o lucro, como é noutras unidades. Nunca fui gerente de nenhuma unidade hoteleira, mas penso que se o tivesse sido e se passasse comigo caso semelhante, teria agido de modo bem diverso. Se isto se tivesse passado num país estrangeiro, um daqueles que não são famosos pela sua hospitalidade como nós somos, eu não teria ficado tão admirada…mas em Portugal, e nos Açores, e na ilha das Flores, onde nasceram meus pais… ainda hoje me custa a crer que tenha sido possível.
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