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Pessimistas, Francisco José Viegas e António Araújo temem impacto do entretenimento e das redes sociais na qualidade da leitura em Portugal. E nem os festivais literários escapam a esta tendência.
Fonte: Livros. Quando a ameaça vem do combate ao tédio – Renascença
Livros. Quando a ameaça vem do combate ao tédio
17 jun, 2017 – 11:59 • José Pedro Frazão
Pessimistas, Francisco José Viegas e António Araújo temem impacto do entretenimento e das redes sociais na qualidade da leitura em Portugal. E nem os festivais literários escapam a esta tendência.
Dois editores, um mais ligado ao ensaio, outro um experiente homem do romance, juntam-se para discutir o livro antes de propor escolhas pessoais. E não se pode dizer que tenha sido uma propaganda colorida da indústria em torno deste objecto. Muito pelo contrário, Francisco José Viegas e António Araújo partilham um sentimento pessimista em relação ao livro no presente e até no futuro.
“O que está em causa neste momento é a qualidade da leitura. Isso é um contributo antidemocrático que trago para esta conversa”, afirma sem rodeios o antigo Secretário de Estado da Cultura, no programa “Da Capa à Contracapa” da Renascença, em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Francisco José Viegas lembra que houve uma perda de 20% do léxico da língua portuguesa nos últimos 70 anos.
“Não temos capacidade de designar uma série de coisas da actualidade. Se perguntarmos a esta pessoa, como se chamam estas árvores ou aquela paisagem não temos essa capacidade “, exemplifica o antigo deputado eleito pelo PSD.
Já para António Araújo, a principal ameaça à leitura é claramente o contexto tecnológico, muito para lá do debate em torno da digitalização do livro.
“Não é a ameaça do livro digital em relação ao livro em papel, mas a ameaça de uma civilização que é adversa ao tédio. E para a leitura, o tédio é importante. A civilização combate o tédio sobretudo com os smartphones. Isto é, já não há nenhum local isento do combate ao tédio. Em todos os locais é possível estarmos ocupados. E isso vai ter efeito. Inclusive o modo de pensar dos twitter vai ter efeitos cognitivos e não sei se as pessoas no futuro estarão predispostos a aguentar os ‘Karamazov’ ou ‘Crime e Castigo’”, argumenta o director de publicações da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Livro digital em queda? Ainda bem
A quebra do mercado do livro digital americano, por exemplo, é vista como uma boa notícia por Francisco José Viegas que ressalva que o digital vai sobretudo congregar a edição de livros académicos.
“Não fico efectivamente fascinado com o digital que, felizmente, está a perder terreno. Os números dizem-nos que há 20% do mercado digital que desceu nos EUA, o que é um bom sinal. O factor principal apontado pelos inquéritos de mercado tem a ver com o cansaço do digital. E que as novas gerações, entre os 18 e os 40 anos, identificam o livro com papel e não com o digital”, complementa o editor da Quetzal.
O impacto das redes sociais na leitura e nos leitores é plenamente visível aos olhos de António Araújo.
“Há um decréscimo da qualidade que se reflecte inclusivamente no papel. Penso que isso tem algo a ver com esta forma de ‘fast thinking’ que é muito motivada pelas redes sociais, etc. Os próprios livros são construídos de forma a serem envolventes e apelativos, nivelados por baixo”, insiste o jurista e historiador que dirige as colecções de ensaios e retratos da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
E depois há os média e os festivais literários
Viegas assinala o desaparecimento das páginas de cultura nos jornais, tendo o livro transitado para um capítulo nas páginas de entretenimento.
“Colocado em concorrência em directa com as novas formas de entretenimento, o livro perde naturalmente. Se a isso associarmos o facto de a escola ter desistido de defender o cânone, a tradição, os grandes livros, então temos o caldo completamente feito”, afirma o antigo governante.
Para alguém que divulgou livros nos media, para além de os escrever e publicar obras alheias, nem os festivais literários ajudam a melhorar a qualidade da leitura em Portugal.
“Os festivais literários, como os vemos hoje, são apesar de tudo festivais muito fechados. Não são um grande atractivo para o público, mas felizmente que eles acontecem porque põem em comunicação autores e publico. Não sei se a qualidade – é um juízo de valor muito forte – a qualidade do diálogo ou do debate literário subiu com a proliferação dos festivais literários. A minha opinião é claramente negativa”, remata o homem forte da editora Quetzal.