histórias do peter’s

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SENHOR JOTA
No Peter Café Sport um dos lemas do negócio era que à noite depois de fecharmos a porta, só servíamos tabaco e água. Havia exceções, e uma delas era para quem depois de duas ou três semanas a atravessar o Atlântico, sem frio a bordo, chegava ao nosso porto com muita vontade de beber uma cerveja fria, e neste caso além de a servirmos, oferecíamos a bebida com o respetivo “Wellcome to Horta!” ou “Bienvenu à Horta!”
Naquela noite fria de outono da década de oitenta, já depois do fecho, bateram à porta. O Ruben foi abrir e era o senhor J., nosso conhecido. Pedia:” Ó Ruizinho vende-me uma cerveja!“ Ruizinho era a forma como o Ruben era tratado pelo senhor J. e eu era o Zezinho. Quando vimos quem era, sabendo dos pedidos que a esposa do senhor J. fazia ao Ruben para não servir bebidas ao marido, quando este estivesse embriagado, o Ruben respondeu: “Senhor J. já estamos fechados e não podemos vender mais nada a não ser água e tabaco.” Tornou a insistir: “Vá lá Ruizinho, é só uma! Pede ao Zezinho! Eu não fumo nem bebo água. Quero é uma cerveja!” A minha resposta foi a mesma do Ruben: “Desculpe senhor J. mas não podemos.”
Então o senhor J. virou-se para o Ruben e disse: “Ó Ruizinho, se vocês não me servirem uma bebida, atiro-me ao mar!” Ao que o Ruben respondeu fechando a porta: “Faça como quiser, senhor J.”
Continuámos na limpeza e no fecho do Café, e passados alguns minutos tornaram a bater à porta, e o Ruben tornou a ir abri-la. Era de novo o senhor J. todo molhado, pois tinha-se mesmo atirado ao mar, como tinha prometido e perguntava: “E agora, serves ou não serves?” O Ruben olhou para mim e eu respondi-lhe arrepiado por imaginar o frio do vento Norte que corria a percorrer aquele corpo franzino e molhado do senhor J.: ”Serve-lhe um brandy ou uma aguardente para ele aquecer, e manda-o para casa antes que ele apanhe uma pneumonia. Oferece-lhe essa bebida, porque apesar de ele não ter atravessado o Atlântico, acabou de vir de dentro dele! E já agora dá-lhe as Boas-Vindas à Horta…”
Ainda havia quem tivesse palavra: o senhor J. e eu!
NOVEMBRO 2020
José Henrique Azevedo
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