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UM EPISÓDIO QUE HOJE ASSENTA EM DEMASIADOS EQUÍVOCOS
“Como olhar o 25 de Novembro? Desde logo, vendo-o com o seu peso histórico, enquanto episódio de um processo iniciado no 25 de Abril e, eventualmente, concluído com a revisão constitucional de 1982, que extinguiu o Conselho da Revolução e firmou a estabilização institucional da nossa democracia. Depois, como fonte de enganos para alienar um país com problemas bem mais importantes.
Não é claro que as ações daquele dia de 1975 nos tenham salvado da guerra civil, embora houvesse muita arma e muita irascibilidade por aí. Mais nítidas eram as cisões entre militares, que então se resolveram, embora estivessem esclarecidas desde setembro e da Assembleia do MFA de Tancos, com a afirmação dos ditos moderados. A isso correspondia a vontade popular, que pusera três quartos da Assembleia Constituinte nas mãos do PS e do PPD.
Estavam em confronto, na sociedade portuguesa (civil e militar), duas ideias de poder: a legitimação eleitoral e a legitimação dita revolucionária. Escrevo “dita” porque a Esquerda radical se arrogava um ascendente, moral e ideológico, no processo revolucionário, negado pelo eleitorado e pelo programa do MFA, que almejava a democracia.
Em que mudou Portugal com o 25 de Novembro? Formalmente, em pouco ou nada. O mesmo governo, a mesma assembleia, o mesmo presidente. Houve mudanças ao nível militar e no Conselho da Revolução, mas já aí prevalecia o setor dito moderado.
E que sobra? Mal-entendidos.
Então, a extrema-direita saudosista (que sonhava ilegalizar o PCP e esbarrou na grandeza de homens como Ernesto Melo Antunes) organizou-se para sabotar a democracia (ELP, MDLP, rede bombista…).
A Direita, em geral, apropriou-se do 25 de Novembro, criando um equívoco para combater outro (a tentativa de apropriação do 25 de Abril pela Esquerda radical, quando o MFA era ideologicamente heterogéneo).
E alguma Esquerda vê no 25 de Novembro um golpe contrarrevolucionário, alimentando a ilusão de que Portugal vivia e queria uma revolução comunista.
Celebrar solenemente o 25 de Novembro é cair nessa teia de equívocos, que hoje serve a extrema-direita antidemocrática.
Equipará-lo ao 25 de Abril, que libertou Portugal após 48 anos de ditadura, é dislate ou perversão.”
Pedro Olavo Simões, coordenador editorial da revista “JN História”, Jornal de Notícias, 27/11/2025
