Droga não se combate dentro de gabinetes

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ENTREVISTA
  • OSVALDO CABRAL. JORNALISTA
Droga não se combate dentro de gabinetes
Do dia para a noite o mundo viu-se confrontado com uma crise de opioides, drogas sintéticas e outras… Ou será que não foi do dia para a noite e só acordamos talvez já tarde?
Como sempre, acordamos tarde. Este problema já se agrava, de ano para ano, há longo tempo, não é de agora. O que tem faltado é uma coordenação de esforços entre as muitas entidades envolvidas para um combate eficaz. Não é recriminando, porque não se trata de um problema somente policial. É um problema de saúde pública e, como tal, deve ser tratado de forma eficaz pelos agentes de saúde e da prevenção social. É preciso ir para a rua, formar grupos de ação, abordar sem medo os jovens e famílias, ir às escolas, estar permanentemente de olhos abertos. Isto não se combate nos gabinetes. E era para ontem!
Estudos internacionais apontam para as novas drogas como um problema extremamente complexo e percebe-se que os decisores políticos e mesmo os técnicos, não são capazes de apresentar soluções. Os EUA convocaram para ontem, dia sete, uma reunião de alto nível à escala global (com dezenas de países) para equacionar o problema. O que devemos esperar dos decisores políticos num prazo mais ou menos razoável?
Mais ação! É só isso, mais ação, menos rabo sentado, mais rua, mais contatos com as famílias que estão a ser desgraçadas nas suas vidas, uma prevenção em avalanche. Espero que esta ‘task force’, agora criada, possa agir o mais depressa possível e force as entidades a agilizarem-se no combate ao flagelo. Somos os piores do país no consumo de quase tudo o que não presta. É preciso educar e reconheço que isto não se faz num dia e com poucos recursos. É preferível gastar agora em recursos do que, depois, despender milhões no tratamento e reinserção. É por isso que isto não é apenas um problema regional, é nacional. Temos que envolver as entidades nacionais, o Governo da República, e mobilizar todos os recursos possíveis para este combate. Os deputados à Assembleia da República têm feito o seu papel e seria hipócrita se o governo em Lisboa não colaborasse neste projeto por razões políticas.
O crescimento dos consumidores de drogas é exponencial e a “qualidade” do produto parece ser cada vez pior. Parece que o velho “charro” é hoje, comparativamente, uma brincadeira de crianças. O que pode levar tanta gente a entregar-se à alienação por estas vias?
Parece que uma das grandes causas é o acesso fácil aos produtos químicos e o baixo custo. Veja bem, um grama de cocaína no mercado de Lisboa anda à volta dos 40 euros e cá, nos Açores, já está nos 120 euros. Os consumidores sem recursos atiram-se ao mais barato que aparece, como é o caso das sintéticas, sem medir as consequências escabrosas para a sua saúde. Muitos deles já são irreversíveis nas doenças que o produto provoca. Um drama.
Como tem observado o mundo das drogas aí pela ilha de São Miguel? É preocupante, sobretudo no que diz respeito aos novos “produtos”?
Um caso muito sério. São às centenas, muitos jovens, até com 11 anos, completamente desorientados. Costumo contar esta história de um padre amigo, numa paróquia do interior desta ilha, que não tem mãos a medir a acudir a mais de uma dezena de famílias a viver situações dramáticas. Ele chama-lhes de “batalhão silencioso”. Faz de psicólogo, de mediador, de ajudante, de tutor e por aí fora. É preciso envolver todas estas figuras da nossa sociedade, Igreja, autarquias, Casas do Povo, escolas, centros de saúde, identificando e ajudando os responsáveis máximos no combate e tratamento. Volto ao princípio: é preciso mais rua e menos gabinete. O alarme há muito que está dado. É preciso urgência.
  • in, Diário Insular, 08 de Julho / 2023