Do assédio como problema social

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« (…) Auilo a que se pode chamar “prática de assédio” conjuga uma série de comportamentos (e.g. abuso, perseguição, insultos, difamação, destruição da confiança e do amor próprio, culpabilização da vítima, agressões físicas e sexuais, retaliações sobre a vítima e pessoas próximas) tão desprezíveis que o termo (do latim obsidiu -, pelo italiano assedio) chega a parecer demasiado frágil para tanta carga. As práticas de assédio estão tão arraigadas na sociedade portuguesa (fruto de regimes autoritários, caracterizados por silenciamento, falta de transparência, impunidade dos poderosos) que demoram a ser identificadas como tal pelas vítimas. No caso das mulheres, tudo isto é intensificado pela questão sexual e pelo machismo imperante na sociedade, que, ao invés de diminuir, tem vindo a ser incrementado pelo ataque generalizado aos direitos dos trabalhadores e dos cidadãos. O Regimento Jurídico das Instituições do Ensino Superior, em discussão com dez anos de atraso, abriu a porta ao fim da gestão democrática das escolas, acabando com a eleição direta dos seus órgãos, anulando a representatividade dos corpos constitutivos e permitindo o surgimento de uma “elite” gestionária que se sente à vontade para exercer o poder como entende; a par disto, a precariedade laboral passou a ser a norma na universidade empresarializada; em consequência, as situações de assédio multiplicam-se.
A ULisboa não está, infelizmente, sozinha neste ranking; as demais instituições não são imunes a esta doença. Como afirmei em crónica anterior, dadas as condições de trabalho e o atavismo das estruturas de poder universitário, o assédio só não existe enquanto não se falar dele. O assédio é vivido em silêncio pelas suas vítimas, sistematicamente ameaçadas e isoladas pelos assediadores, que assim as fragilizam e alimentam os seus sentimentos de culpa, incapacidade e irrelevância. O silêncio, além de conferir invisibilidade aos abusos, torna o assédio uma questão pessoal, passível de retaliação se denunciada, difícil de provar e de combater, impune para os seus perpetradores.
O assédio só não existe enquanto não se falar dele. O assédio é vivido em silêncio pelas suas vítimas, sistematicamente ameaçadas e isoladas pelos assediadores, que assim as fragilizam e alimentam os seus sentimentos de culpa, incapacidade e irrelevância. O silêncio, além de conferir invisibilidade aos abusos, torna o assédio uma questão pessoal, passível de retaliação se denunciada, difícil de provar e de combater, impune para os seus perpetradores.
O assédio corrói, destrói, mata. É urgente, é imprescindível denunciá-lo, estudá-lo, descrevê-lo, dá-lo a conhecer, mostrá-lo como o cancro social que efetivamente é.»
[Margarita Correia, “Diário de Noticias”, 6/03/2023]
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DN.PT | BY DIÁRIO DE NOTÍCIAS
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