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DENTISTA NA PRAIA A AVIAR DOENTES CRÓNICA 108, 15 SETº 2011
Nessa tarde não resisti e voltei aos Moinhos, já com meia centena de banhistas. A minha leitura, iniciada esta manhã no mesmo local, foi interrompida pelo tonitruante som do vozear de um senhor atarracado, de cabelo curto, alourado, acompanhado de uma jovem com tranças, de 4 ou 5 anos, permitindo as habituais conjeturas sobre se seria pai solteiro, viúvo, divorciado ou meramente um pai que foi com a filha à praia enquanto a mulher foi ao cabeleireiro ou às compras. O senhor que se sentara na mesa ao lado, debatia-se freneticamente com dois telemóveis e não se coibia de receitar Nimed e Amoxil a um pobre senhor Joaquim, do Porto, a quem fizera uma intervenção cirúrgica dentária há meses e que obviamente manifestava uma infeção no maxilar donde lhe extraíra os dentes. Sem dúvida que a memória desses dentes voltara para o assombrar e atormentar esta tarde, em pleno gozo das suas – crê-se que merecidas – férias numa soalheira tarde na esplanada dos Moinhos. Há dentes assim, depois de retirados do maxilar, ficam com saudades e querem voltar para assombrar o dono do maxilar. Poderia ser este o caso. Ouvia-se falar de troca de receitas, medicamentos retirados de circulação, e recomendações de antibióticos sem recorrer à penicilina e sem descurar a cortisona a que o doente podia ser alérgico, mas não era, dado que já lha receitara antes.
O – possivelmente ilustre veraneante – médico dentista e cirurgião, em férias, ali na esplanada dos Moinhos de Porto Formoso, impotente, com dois telemóveis nas orelhas a falar, ora com o doente, ora com o protésico, ora com a sua secretária para que esta marcasse a consulta de urgência ao senhor Joaquim para o seu colega que ficara de serviço, deixava a pequena lambuzar-se de gelado, sem notar que o mesmo se derretia e ia escorrendo para o fato de banho. E eu em busca de sossego e do marulhar dei comigo a pensar na saga dentária do Cristóvão de Aguiar que quisera poupar e fora ao Pico tirar os dentes. Também teve problemas com o maxilar, teve de fazer um enxerto de osso do ilíaco, mas apanhou uma infeção, com enorme hematoma, que o pôs numa cadeira de rodas durante meses, a mastigar papas de bebé, sem dentes, sem poder caminhar e a gastar muito mais em médicos, clínicas. Depois, teve de contratar um advogado para intentar uma ação contra o afamado cirurgião dentista, formado em Paris, a quem atribuía a sequência de males de que padecera durante longos meses. Acalentei secretamente a esperança de ser o mesmo dentista, o que tornaria a crónica mais interessante pela coincidência (que como sabem, não existem, mas têm causas matematicamente prováveis), mas tive de me contentar com a atrás narrada cena. O Português Contrabandista de J. Martins Garcia a piscar-me o olho e eu sem o poder desfrutar numa leitura de remanso nesta manhã. Terei de regressar em mais idílico momento, pois há pessoas que usam o telefone móvel como um megafone para que todos se inteirem das conversas em direto e ao vivo, como se a alguém pudessem interessar. É pena não haver um padrão universal para telemóveis, poderia ter emprestado os auriculares… Esta ilha é linda, mas digo-vos do outro lado só há mar….