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Camões e açorianos de Toronto
Fui feliz em Toronto. Até no amor. Hoje, no entanto, não sei. Não é tristeza.
É melancolia açoriana, doença sem cura.
As minhas tias de Toronto já morreram. Uma gostava muito de mim. As outras “nem por isso”. Tenho saudades.
Vou muitas vezes a Toronto, a maior cidade açoriana do mundo.
Estou em casa.
Amigos da minha idade já têm netos. Como é possível? Netos? É quase um insulto. E vários têm casas de férias “na Muskoka”. E falam na reforma. E pescam(serei o único açoriano que nunca pescou na vida?). Acho que também são felizes. Casaram todos cedo. Que eu saiba não regressam aos Açores.
Na Avenida Augusta, onde eu “ia às compras” com a minha avó Sofia e a minha tia Valentina, “já não conheço ninguém”. Talvez o senhor da peixaria. Não sei. Nunca lá comprei nada. Mas gosto de imaginar que se um dia “precisar”de peixe fresco, em Toronto, ainda estão por ali os restos da açorianidade. Da memória. Ou irei pescar para o Norte, para a “Muskoka”. Não me irão convidar. Sabem que não gosto de peixes de água doce.
Hoje, “a Augusta”, está na moda. Com turistas. Sem operários açorianos a comprar botas(“safety boots”)para o trabalho na construção civil ou mulheres de São Miguel, sem medo, “a irem” para o segundo turno das limpezas(“nos offices”). Pelo meio criaram filhos que são “doutores e engenheiros”. E netos. E uns Açores possíveis.
Vou, entretanto, almoçar com colegas. Escolho sempre restaurantes portugueses. Manias. Nos anos setenta e oitenta os restaurantes portugueses de Toronto eram, com raras excepções, um “nojo”. Hoje são excelentes. Os meus amigos, no entanto, pedem pratos vegetarianos…O restaurante até “tinha peixe”, alegadamente, dos Açores. Um desperdício. Como é que o peixe é dos Açores? É acreditar na palavra das pessoas.
Depois do almoço(na rua “College”) vou “à Dundas”, a “uma pastelaria” curar saudades dos bolos lêvedos. Também comprei massa sovada. Venho às compras açorianas! Provavelmente ainda irei ao talho Pavão comprar morcelas. Regresso por uns dias aos Açores…
E pedi um café. A senhora do balcão grita: mostra a “coisa das vacinas”. Faz uma inspeção rigorosa ao “meu certificado do Oeste”. Com que então também levaste a Pfizer. Maravilha.
Volto, entretanto, para a rua “College”. Paro numa espécie de “mural da fama” dos “portugueses famosos”. Só “reconheci” a Nelly Furtado, antiga madrinha de um famoso avião(negócio) da SATA…
A “divisão” entre portugueses do continente e dos Açores…Em Toronto é assunto sério. E a divisão entre as ilhas. E depois dentro da ilha. Chega à rua.
Reparo, ainda, que a velha estátua de Camões está ao lado da entrada para um estabelecimento de venda de “canábis”(legal e banal no Ontário). O antigo clube português no edifício (“o First Portuguese”) “faliu” e hoje restará a memória de Camões e uns “charros”.
Saberão dos Açores?
Foto: Camões e uma “loja de charros” em Toronto.
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