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Transparência José Soares
Mise-au-point
Não consta que alguém jamais tenha nascido de fato e gravata ou vestida com chita, cetim, alpaca ou organdi. Todos nascemos em couro vivo. Todos nascemos ‘incourins’.
Junho é o mês da anunciação de um verão profundamente desejado por todo o comércio que [mal] vive quase unicamente do turismo desde o começo dos low-cost em 2014, excetuando as nossas queridas vacas, que produzem 35% de todo o leite nacional e que estão prontas a dar a vida para se transformarem em carne, caso a crise se agude no seu precioso néctar mamário.
É o tempo da esperança renovada para toda a economia insular, depois da tempestade perfeita que a global doença provocou, esperamos nós, se esteja já a deslocar para outros planetas…
A Ilha, seja qual for, impõe por demais a sua insignificância no mercado global.
“…Não temos a peça do carro, mas vamos mandar buscá-la…” ou ainda “…isto vai demorar um mês, porque temos de mandar buscar ao continente…”, ou então “…tivemos isso até a semana passada. Agora estamos à espera que chegue de fora…”.
Esta insularidade que me faz andar d’alma malvestida toda a vida. De fralda turística, que de vez em quando muda o dístico (ou a fralda): Turismo ambiental, turismo paisagístico, turismo de cócoras, turismo de tretas, turismo religioso, turismo do silêncio, da ignorância, do deixa-andar e do desmazelo. Turismo da incompetência, turismo da burocracia e de serviços parasitários de um estado omnipresente em impostos, taxas e tachos.
Agora acontece o turismo doméstico. O governo açoriano colocou uma bomba de 60 euros para os insulares de todas as ilhas acionarem à sua vontade. Vai funcionar? Ninguém sabe ainda, embora a procura inicial de reservas para estas viagens tenha alcançado numa semana cerca de dez mil. Ai do Corvo se todos decidem ir na mesma direção…
Foi uma promessa eleitoral cumprida. Será também uma oportunidade para todos se afirmarem como povo ilhéu, açórico, desnuviando as tentativas de desunir para reinar que tanto vicia a política partidária nacional e insular.
Num modesto aviso à navegação enredadora e intriguista, que passa a efémera existência usando e abusando dos órgãos de comunicação para exibicionismos estéreis. Figuras com mofo estampado pelo tempo, convém dar à memória a elasticidade compreensiva de que este governo tem apenas meses de existência. Que substituiu outro, cujo partido governou um quarto de século as Ilhas açorianas. Tal situação exige de todos, pelo menos, um ano de tolerância imunológica. Nenhuma aceitação completa, mas condescendência tolerável, em prol da unidade insular tão necessitada. Um ano. Deixem-se de recadinhos mandatários. A História também se faz de dignidade. Não apenas de mentira. E é sempre (re)escrita pelos vencedores.
Todos nascemos ‘incourins’.