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SANTA MARIA DOS AÇORES – O NOVO TRIÂNGULO DAS BERMUDAS 28.4.2022 crónica 450,
Gosto imenso da ilha de Santa Maria que fui conhecer em 2006 depois de me radicar em São Miguel (2005) e antes de descobrir as restantes. Tem gente capaz, bons escritores, e uma história riquíssima, além de caraterísticas únicas da Vila do Porto. O autor Pedro Almeida Maia esteve lá a lançar o seu livro IlhAmérica que narra uma epopeia de fuga da ilha, em tempos idos, e encontrou o cinema, reconstruído há dois anos, vazio, a aguardar equipamentos e reinauguração. Não encontrou o porto espacial da Malbusca que devia ter entrado em funcionamento em 2021, nem o recife artificial por afundamento do antigo navio da Marinha Portuguesa, NRP Schultz Xavier, nem a velha Torre de Controlo do aeroporto restaurada a rigor, nem reabilitadas as casas prefabricadas (do bairro do aeroporto) dos norte-americanos, nem um museu da segunda grande guerra, nem as estradas recuperadas e asfaltadas como todos clamam há anos. Entrementes continua a não se aproveitar o potencial do enorme aeroporto que a tantos tem servido de salvação, agora que o Concorde não existe e a navegação transatlântica ali não reabastece exceto em emergências. Encontrou as belezas naturais, que essas o homem ainda não destruiu, e os sedimentos fossilizados que pontilham a ilha, nem todos de fácil acesso e daí ainda se manterem preservados. Vem isto a propósito de nestes anos todos que levo dos Açores, pensar que a ilha mais parece um novo Triângulo das Bermudas, onde as inovações (salvo o novo largo em frente à Câmara Municipal) tendem a desaparecer antes de se concretizarem, ou raramente se concretizam, seja por má vontade política, incompetência governamental, inoperância e burocracia ou outra razão que a todos escapa. Existe gente ativa com blogues e publicações a alertar para isto mas as queixas mergulham nas profundezas abissais sem rasto. Recordo as minhas impressões da ilha em 2006 esperando que estas não caiam na fossa das Bermudas…
A primeira coisa que nos chamou a atenção foi a falta de gente na ilha. Em especial à noite, vista do Hotel, Vila do Porto só mostrava os postes de iluminação pública acesos, as casas estavam (na maioria) às escuras. Para perceberem porque é nos sentimos numa ilha temos de perceber a dimensão e a sua pequena população… A capital, Vila do Porto é a mais antiga das vilas açorianas, onde se podem ainda observar vestígios de velhas casas, do Capitão Donatário com janelas do séc. XV. Santa Maria foi a primeira a ser descoberta. Alegadamente foi Diogo Silves em 1427.
É a única com grandes proporções de terra de origem sedimentar, onde se podem encontrar fósseis marinhos. As casas estão espalhadas e as chaminés lembram o Algarve. As terras são muito férteis e a paisagem rural é de grande beleza. Foi a primeira a ser povoada, vê desembarcar das caravelas em 1439, o punhado de pioneiros que se fixaram na Praia dos Lobos, na ribeira do Capitão. João Soares de Albergaria, sobrinho do primeiro Capitão Donatário e seu herdeiro, deu novo impulso ao povoamento trazendo famílias, sobretudo algarvias. Até final do séc. XV, Santa Maria regista grande desenvolvimento, e o primeiro foral de vila nos Açores foi concedido à localidade desde então denominada Vila do Porto. A prosperidade da ilha assentou, até final do séc. XVIII, no pastel, considerado o melhor do Arquipélago e em abundância, e na urzela, exportados para as tinturarias da Flandres, além da cultura do trigo, que tinha procura no Continente e abastecia as praças-fortes portuguesas do norte de África. Dedica-se à agricultura, vinhedos, trigo, milho, batata, inhame, pomares, à pecuária e laticínios, Santa Maria atravessou, sem sobressaltos, os sécs. XVIII e XIX, se excetuarmos a presença de um contingente de jovens entre as tropas que participam no desembarque do Mindelo em plenas guerras liberais. O séc. XX traz dinâmica e progresso, com a construção do Aeroporto em 1944, de grande valor estratégico durante a Segunda Guerra e ponto de escala obrigatório nas travessias atlânticas, até finais da década de 60. Quando estive pela primeira vez em Santa Maria, viajei de volta à minha adolescência tendo fascinado prédios e instalações antigas, em especial as instalações do enorme aeroporto, da Vila do Porto. Tudo me encanta e remete ao passado azafamado da Segunda Guerra, quase coetâneo do meu nascimento. Até pensei em tentar fazer um projeto de recuperação das instalações. Nessa data – e já lá vão uns anos – ainda não era a Câmara Municipal responsável por muitos desses equipamentos urbanos. Imaginem só, se fosse possível das instalações desativadas construir um verdadeiro museu vivo em homenagem ao esforço da Segunda Guerra, seria possível reproduzir artesanalmente dentro daquele espaço incrível a vida no tempo da guerra. Haveria lugar para o artesanato que os visitantes poderiam levar de lembrança, criando oportunidades e revitalizando a Vila do Porto. Até agora deixaram acabar quase tudo o que era importante preservar. Assim se reporia a verdade sobre um povo maravilhoso que merecia maior respeito pela história e património, uma pena… falta converter tudo num Museu vivo e recolher exemplares de relíquias da guerra.