Crónica 388 país de ingratos

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Crónica 388 país de ingratos 24.3.2021

Muitas vezes acordo com a sensação de os portugueses, e – por extensão – os açorianos, serem um povo de ingratos. Basta ver as condições de transporte nos comboios indianos e dar-me por satisfeito de cá nada disso acontecer. Ou então ver crianças famintas e sequiosas andarem quilómetros à cata de umas gotas de água em tantos países da África enquanto nós continuamos a deixar que as ribeiras descarreguem torrentes no mar, sem as armazenarmos.

Observo as condições de tantos hospitais no mundo e dou graças por ainda termos um SNS que funciona, apesar de cronicamente atacado pelos interesses privados e sistematicamente suborçamentado. Os contactos da família com o SNS são, de uma forma geral, satisfatórios e gratuitos. Ninguém esqueça os avanços surpreendentes na taxa de mortalidade infantil antes e depois dos 25 de abril que servem de exemplo para países mais evoluídos.

Claro que vai havendo alguma violência e crime mais a sempre omnipresente adição a drogas de todos os tipos, mas nada que se compare a outros países onde é endémica, e que eu saiba, os alunos e os cidadãos não andam aos tiros em centros comerciais e liceus.

Creio que a única queixa fundamentada será na justiça, onde a corrupção e as leis que favorecem nepotismo dão a todos motivo de preocupação e roubam milhões que podiam fazer de Portugal um país mais justo e equitativo, mas há muito pior do que Portugal, embora alguns não acreditem.

Os políticos portugueses são tão maus como os demais nesta tendência global de cada um se preocupar com o “seu” e não com a “res publica” e ainda não temos muitos extremistas como já acontece noutros países.

Em termos de liberdade de imprensa (10º lugar na EU em 2020) ainda a vamos tendo, embora faltem jornalistas livres e sérios, antes preferindo bajular e beijar o traseiro dos patrões com medo de perderem o tacho. Na maior parte dos países a liberdade de imprensa é já uma miragem.

Quando falamos de educação é tão má a que temos como a da maioria dos países, mas o que nos distingue aqui são os baixos salários, a má estruturação de carreiras, e a falta de uma cultura de formação (pessoal e profissional) dos docentes. Longe vão os tempos dos professores bem preparados da Escola do Magistério que ensinavam as primeiras letras (agora são todos doutores mas sabem pouco).

Na ciência e tecnologia temos inúmeros cientistas de primeira água e técnicos de renome internacional (curiosamente, nem todos emigraram, embora não sejam bem reconhecidos nem acarinhados no país).

O trabalhador que em Portugal é explorado a troco de salários miseráveis e alta taxa de improdutividade, quando inserido num sistema de meritocracia alcandora-se a elevados níveis, portanto o mal não é dos trabalhadores mas do sistema, em que a maioria dos ditos “empresários” são quase iletrados, invejosos e sem capacidade para preencherem os lugares que ocupam.

E há desportistas de valor mundial (penso, não no futebol que enche jornais e telejornais, mas no atletismo, nos desportos adaptados e em tanta modalidade que nunca chega às manchetes, do automobilismo ao motociclismo).

Além disto temos um país cheio de belezas naturais, de todos os tipos, tamanhos e feitios, que os políticos e autarcas ainda não conseguiram destruir por completo (exceto na orla algarvia) e onde milhares de estrangeiros optam por viver. O clima nem é dos piores e ainda vai sendo gratuito e variado embora a construção habitacional se esqueça de proporcionar casas com altos valores térmicos que nos proteja do frio e do calor, e não siga as normas sísmicas que deveriam vigorar.

Claro que sei que os impostos são altos e pouco dão de volta, os combustíveis sempre estiveram a preços exorbitantes e existe enorme desigualdade socioeconómica mas temos países em bem piores condições. Pela quantidade de carros de luxo e de férias no estrangeiro, antes da pandemia, ninguém diria que somos um país pobre. Temos a mania salazarenta de sermos um país pequeno, esquecendo a enorme mancha marítima que as regiões autónomas proporcionam à descontinuidade territorial.

Pequenos somos mas é na mentalidade, na visão que temos do passado, presente e futuro, na falta de ambição, na acomodação, na aceitação do fado, na perpetuação dos vícios da Santa Inquisição e da PIDE, mas com os milhares de emigrados nestas décadas, obviamente que será uma questão de tempo para as mentes se abrirem às velas do progresso e desfazerem as teias bafientas dos nossos antepassados.

Enfim, somos mesmo ingratos sem apreciarmos o que temos e outros cobiçam e invejando o que não temos.

Chrys Chrystello, Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713 [Australian Journalists’ Association MEEA]

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