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CABUL VAI REPETIR PHNON PENH 1975?
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Há mais de uma década, estando em Bangkok, li umas memórias ditadas por John Gunther Dean, o último embaixador americano em Phom Pehn antes da tomada do poder pelos Khmeres Vermelhos. Dean era um indivíduo sobredotado, extremamente culto e renomado poliglota, talvez o melhor jamais produzido pela diplomacia norte-americana, mas cedo tomou consciência das facetas mais sombrias da política externa dos EUA, marcada pela falta da palavra dada, manipulação e traição aos aliados, assim como associação ao alto crime organizado. Depois da tomada do Camboja por Pol Pot, foi conselheiro de Reagan, com quem entrou em colisão ao opor-se com veemência à política de apoio aos mujahedin de Bin Laden patrocinada pelo Departamento de Estado. Afastado, ocupou postos no Médio Oriente e foi alvo de duas tentativas de assassinato que logo descobriu terem sido congeminadas pelos serviços secretos israelitas. Dean era judeu alemão e fugira da Europa em finais da década de 1930, pelo que ninguém o poderia acusar de nada. Depressa foi sumariamente dispensado por supostos “problemas psíquicos”, fórmula usualmente destinada a eliminar profissionalmente indivíduos de grande honestidade e robustez intelectual.
Nas suas memórias gravadas, dedicou dois capítulos à retirada americana do Vietname e ao posto que ocupou no Camboja entre Março de 74 e Abril de 1975. Não omitindo os crimes de guerra de Henry Kissinger e a política errática desenvolvida pelos EUA no Sudeste Asiático, descreve com detalhe os últimos dias do regime do marechal Lon Nol, instigado por Washington a desencadear um golpe de Estado contra Norodom Sihanouk, em 1970 e, depois, abandonado pelos americanos, assim que estes, tendo conseguido aproximar-se da China maoísta, traíram os seus aliados na região. Abandonando aqueles que haviam confiado nos EUA, Washington permitiu um dos maiores genocídios do século XX, para logo de imediato passar a proteger os guerrilheiros de Pol Pot na luta que os opunha ao Vietname.
A foto de Dean sobraçando a bandeira do seu país nos últimos momentos em solo Cambojano, em Abri de 75, parece estar a repetir-se em Cabul. Aos milhares de afegãos que lutaram ombro a ombro com os norte-americanos ao longo de duas décadas, ao pessoal administrativo auxiliar, aos condutores e tradutores não foi assegurada ponte aérea alguma. Teremos de esperar pela entrada dos talibãs na capital para saber se ali se repetirá Phnom Pehn de 1975.