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Fonte: As nossas tradições: o Barlaque
O Barlaque é uma tradição existente em Timor-Leste desde os tempos antigos. A prática de Barlaque inicia-se no momento em que um homem e uma mulher chegam a um consenso para constituir uma nova família.
A fase inicial deste costume é sempre precedida por um encontro entre as famílias dos noivos chamado koñese-malu, que significa o encontro de conhecimento entre as famílias, e que, preferencialmente, deve ser realizado na casa da mulher.
Nesta primeira fase, dá-se uma troca de presentes. Os presentes que devem ser entregues pela família do noivo podem ser constituídos por cigarros, areca e folhas de bétel (bua-malus), vinho, um cabrito e uma determinada quantia em dinheiro. Em alguns casos, em troca destes presentes, a família da noiva deve oferecer um tais (vestuário tradicional) à família do homem.
No dia do conhecimento, as famílias devem fixar uma agenda para que as partes se reúnam e falem sobre assunto de belis, ou o Barlaque propriamente dito – a segunda fase do Barlaque. No dia marcado, a família do homem leva alguns bens, como búfalos, cavalos, vacas, espadas, belaks (um medalhão timorense), pulseiras tradicionais, morteins (fios tradicionais) e a quantia em dinheiro que foi acordada. O número de animais e outros bens para o belis devem ser entregues em conformidade com o acordo estipulado no primeiro dia de conhecimento. Logo após se efetuar a entrega dos belis, a família da mulher oferece em troca outros bens, tais como: porco, tais, sacos de arroz e vinho. Com a entrega dos bens mencionados, o homem e a mulher em causa, tradicionalmente, tornam-se marido e mulher, unificando as famílias das duas partes. Neste momento, a família do noivo passa a denominar-se fetosan e a da noiva umane.
Do ponto de vista jurídico, o Barlaque é uma das formas de casamento que existe em Timor-Leste e, numa perspectiva sociocultural, esta prática pode apresentar algumas vantagens para a vida da família, servindo como um meio de:
a) Dignificar a mulher;
b) Evitar o divórcio;
c) Manter os laços familiares entre as famílias das partes.
No entanto, não podemos negar que esta prática pode ter alguns efeitos negativos tais como:
a) Pode fazer prevalecer as práticas tradicionais em relação aos documentos dos registos e notariados, na medida em que a administração pública, nos seus atos administrativos, necessita de documentos autênticos, como por exemplo, a certidão de nascimento.
b) Gera a desigualdade de tratamento no sistema de direito consuetudinário, já que as famílias que seguem a linha paterlineal têm de pagar/ entregar o belis, enquanto que as famílias que seguem a linha matrilinear deixam de dar importância à prática de Barlaque.
c) No âmbito da convivência familiar, esta prática, em algumas situações, pode originar violência doméstica.
A prática de Barlaque, antigamente, era muito exigente. Por um lado, a família da mulher ou umane deveria entregar bens de alto valor ou dinheiro em maior quantidade; estes bens ou belis deviam ser entregues no exato momento em que as partes se encontravam. Por outro lado, à família do noivo também se exigia que fosse entregue a contraprestação equiparada aos valores que foram entregues pela família da noiva. Ora, nesta lógica, a prática de Barlaque, na idade dos nossos pais, era como um negócio de compra e venda. Este é um ponto negativo, com o qual as novas gerações entram em desacordo.
Hoje em dia, a prática de Barlaque no seio da sociedade timorense não é uma tradição estranha. Esta prática continua a transmitir-se de geração em geração.
Na maior parte dos municípios, esta prática constitui uma situação pré-matrimonial obrigatória, apresentando contudo alguma flexibilidade na entrega dos belis. A flexibilização verifica-se na conversão de um determinado bem numa determinada quantia de dinheiro, que pode ser entregue em qualquer altura. Porém, notamos que, para certas famílias em alguns municípios, esta prática começa a deixar de ser obrigatória e, consequentemente, deixa de constituir um requisito pré-matrimonial.
Em suma, pensamos que a prática do Barlaque tem aspectos positivos, na medida em que pode valorizar a dignidade das mulheres do ponto de vista cultural timorense, servindo como meio para unificar as famílias de ambas as partes. A prática de Barlaque, neste sentido positivo, poderia ser mantida como uma das identidades culturais timorenses, sendo humanizada, valorizada e adaptada ao nosso tempo real.
Edia C. E. Monteiro.
Florindo da Silva.
Hernanio M. C. Costa.
Paulo S. Martins.
Yazalde Rodrigues Pereira.