artista açoriana deseja viver exclusivamente da Pintura na Região

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Sara Rocha Silva, artista açoriana que deseja viver exclusivamente da Pintura na Região
Correio dos Açores – Conte-nos um pouco dos seus percursos académico e profissional.
Sara Rocha Silva (Pintora) – Frequentei Artes na Escola Secundária Antero de Quental e após terminar o 12º ano fui para a Faculdade de Belas Artes de Lisboa, onde estive em dois cursos diferentes. Primeiramente, escolhi o curso de Design de Comunicação, tendo em conta as saídas profissionais, mas não o concluí. Apesar de ser muito bom, não me identificava com o curso, pois não era tão intuitivo, para mim, quanto a Pintura. Depois, surgiu a oportunidade de ir para a licenciatura em Pintura, onde desenvolvi os meus trabalhos em diversas áreas. A nível curricular, tínhamos possibilidade de frequentar certas disciplinas optativas que envolviam outras áreas, tais como cerâmica, mosaico, gravura, vitral, o que foi muito enriquecedor. Quando terminei o curso, regressei a São Miguel. Entretanto, trabalhei no Museu Francisco Lacerda em São Jorge, estagiei no Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas e trabalhei, ainda, em serviços educativos. Actualmente, trabalho na Azores in a Box do Centro de Artesanato e Design dos Açores, a dinamizar e a promover o artesanato e a cultura.
O regresso a São Miguel, após terminar o curso, correspondeu às suas expectativas?
Vim com uma ideia preconcebida de como iriam ser as coisas que acabou por não se concretizar. Constatei que não era tão fácil como pensava viver do mundo artístico.
Viver da arte nos Açores é difícil…
Penso que em Portugal, a nível geral. Embora não tenha tido experiência laboral no continente, o facto de ser um meio maior acarreta outras dificuldades. Recordo-me de ler entrevistas dadas à comunicação social de alguns artistas que partilhavam as dificuldades que sentiam. Por exemplo, torna-se difícil sustentar um ateliê, não só a nível material mas também de espaço. Não basta apenas ter os trabalhos nas galerias, depende igualmente da venda. Ou seja, o lado comercial acaba por ser importante, embora eu acredite que se o trabalho for feito com esse intuito acabe por ficar poluído. Se dermos muita relevância ao lado comercial e não fizermos as coisas com a alma, não há uma entrega total.
Além da Pintura, explora outras formas de expressão artística?
Na faculdade experimentei várias áreas, no entanto, agora, não tenho desenvolvido nada além da Pintura. O desenho faz sempre parte da Pintura, a nível de composição e a própria pincelada é gestual, pelo que o gesto também é um desenho e pressupõe movimento. Em 2019, com os Urban Sketchers veio a oportunidade de salientar ainda mais o carácter do desenho na minha pintura.
Além disso, os Urban Sketchers ajudaram a soltar-me e a explorar determinados materiais, pois são trabalhos feitos através da observação no local. Na altura, sentia-me um pouco presa, a nível gráfico ou expressivo, por ter trabalhado muito em volta da fotografia, mas também a nível emocional, tendo em conta as experiências que estava a vivenciar, que me conduziram a um certo aprisionamento. Estava com dificuldades em soltar-me. Quando desenhamos no local estamos, sobretudo, a absorver informação e a captar o que está diante dos nossos olhos, e foi isso que fiz na minha pintura. Não estava à procura da perfeição ou de alcançar o sublime. Os Urban Sketchers vieram influenciar muito o meu trabalho nessa perspectiva.
Em que se inspira para criar os seus quadros?
Para mim, a Pintura sempre foi um diário. Apesar de ter várias inspirações e de eu investigar sobre algumas temáticas, há um lado muito pessoal nos meus trabalhos.
De facto, tenho várias influências e referências. Acredito que o que fazemos é sempre um reflexo de muita coisa, como os nossos humores, a nossa educação e o que acabamos por absorver de tudo o que vivemos. No fundo, tudo o que nos envolve transforma-nos e a nossa própria personalidade é fruto disso. Os nossos comportamentos e reacções provém de um passado e de um futuro, porque criamos perspectivas e temos certos medos. Ou seja, é um conjunto de emoções e de pensamentos que oscilam com o tempo. Os meus trabalhos partem precisamente dessa ligação entre passado, presente e futuro. (…) Tenho muitos trabalhos com referências da mitologia grega e a ideia de janela também está muito presente no meu trabalho. Tenho, ainda, referências de David Hockney, na medida em que, por vezes, ele usa muitas fotografias, um género de cubismo, para tornar a representação mais real e eu já recorri a isso em trabalhos meus também. Gosto muito, entre outros, de Peter Doyle e de um pintor do Pico, que se chama Gabriel Garcia. Tenho imensas inspirações.
Sendo uma artista com um vínculo especial com os Açores, como a cultura local influencia a sua arte?
Tudo o que nos envolve acaba por ter um espaço no que fazemos. É o tal reflexo resultante da absorção. Alguns dos meus trabalhos partem directamente de locais das ilhas dos Açores. Quando os faço, a ligação à ilha está sempre presente. Apesar de toda a facilidade existente actualmente, a nível de transportes, com a globalização, o facto de vivermos numa ilha, confere aos ilhéus uma certa insularidade, e isso acaba por influenciar o meu trabalho. Fiz também uns postais, mais virados para a ilustração, que eram as lapinhas e aí a ligação aos Açores é notória.
Já realizou várias exposições, tendo inclusive recebido duas menções honrosas. Como encarou esses reconhecimentos?
Participei três vezes no concurso JOV’ARTE Bienal, sendo que recebi duas menções honrosas, em 2015 e em 2017. Senti-me valorizada e deu-me mais motivação para continuar. É um reconhecimento que é feito ao nosso trabalho. Apesar de ainda não ter feito muitas exposições individuais, nos meses de Novembro e Dezembro, vou fazer uma exposição individual na Casa da Cultura Carlos César, na Lagoa.
Qual é o maior desafio ao pintar o retrato de alguém?
Ser o mais fotorrealista possível. Na verdade, muitas vezes não conhecemos as pessoas e torna-se muito mais difícil captar a sua essência porque não temos uma imagem. No processo, chegamos a um ponto da pintura em que reconhecemos o que estamos a pintar. Por exemplo, quando faço retratos para famílias, por saber que é importante para eles, sinto uma pressão extra. No entanto, normalmente, o resultado final é muito bom por causa das reacções que surgem.
Que feedback recebe?
Geralmente o feedback é positivo, embora já tenha tido reacções menos boas. Mas costumo dizer que agradar a todos também não é bom sinal. Temos que ser confiantes, acreditar em nós e continuar com o nosso trabalho.
O que gostaria ainda de alcançar na sua carreira?
Quando estava na faculdade, ambicionava ser reconhecida e alcançar grandes voos. Não queria ter fama ou ser reconhecida na rua, mas gostava que o meu trabalho se elevasse e se equiparasse a grandes nomes artísticos. Hoje em dia tenho uma perspectiva diferente. É muito importante para mim que as pessoas se relacionem com o meu trabalho, e que este provoque e desperte emoções. Desejo continuar sempre a trabalhar como pintora e ver o meu trabalho a evoluir. Sei que é difícil viver exclusivamente da Pintura. Esta é uma luta que venho a combater e que levei algum tempo a assimilar. Não me importo de trabalhar noutras áreas, se isso me permitir continuar a fazer o que gosto.
Carlota Pimentel
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Paula Margarida Ávila

Parabéns e muito sucesso. Beijinhos
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