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A minha irmã Eneida casou com um comissário da TAP com o argumento que gostava de homens mais leves que o ar.
Fez mal: a primeira vez que abriu a porta o marido saiu flutuando para o patamar e até hoje ninguém sabe onde poisou. O problema é que ainda teve tempo para a engravidar e o filho que se parece com o pai leva a vida pregado ao tecto como os balões de gás. A minha irmã amarrou-lhe um cordel no tornozelo, puxa-o para baixo à hora das refeições e depois solta-o de novo para ele brincar com a tira de papel mata-moscas que está junto ao candeeiro. Trata-se de uma criança um bocado aérea, sempre de cabeça nas nuvens e o facto de andar lá em cima permite-lhe falar-nos de alto e descobrir carecas. Para contrabalançar o desgosto de amor com o comissário a minha irmã Eneida procurou um homem sólido, compacto, suficientemente pesado para resistir a virar de páginas, suspiros e furacões. Chama-se Rocha e aguenta tudo embora do meu ponto de vista seja um sujeito um bocado passivo que só joga bridge na condição de ser o morto. Está para ali sentado no sofá o dia inteiro, imperturbável, sem uma palavra, rígido, sereno, inamovível. Há ocasiões em que me pergunto se respira: não é um ser humano é uma parede mestra e se adoecer a minha irmã Eneida em vez de chamar o médico telefona a um geólogo que lhe explique as causas da erosão. Para fazer amor com ele calça botas cardadas e aproxima-se com um rolo de corda, ganchoe e picaretas: pode dizer-se que é uma paixão que vai em escalada mas as coisas pioraram um bocado quando a minha irmã Eneida, ao alcançar o cume após três dias de esforços, encontrou uma bandeira cor-de-rosa cravada no vértice com o nome Elizabete bordado. O Rocha afirma que em tempos um grupo de alpinistas se lhe perdeu no pescoço e os helicópteros de salvamento não encontraram ninguém salvo um urso polar e umas ossadazitas dispersas na base da nuca.Agora, antes de se aproximar do homem, telefona sempre cá para casa a despedir-se e a minha mulher
(são amicíssimas)
oferece-se para a acompanhar o que eu proíbo terminantemente porque fui educado à antiga e além disso a minha mulher sofre de vertigens, tenho medo que caia do Rocha abaixo e se a minha mulher bater no Rocha quem se lixa é o mexilhão. Ela protesta com o argumentode que passamos a vida em casa e nunca a levo a parte nenhuma, propõe
-Para o caso de teres ciúmes porque é que não vens também?
mas escalar cunhados não é o género de divertimento que me excite. Talvez passemos lá as férias em agosto
(não temos de pagar nada)
com os miúdos, acampados num joelho ou assim, porque segundo a minha irmã Eneida há verões com bom tempo no Rocha e existe imenso espaço na barriga onde as crianças podem brincar e jogar à bola mas a mim assustam-me as derrocadas que a tosse dele provoca e não me apetece contar no emprego ao perguntarem-me
-Onde foste em agosto?
-Durante uma semana trepei pelo meu cunhado acima
que é uma coisa que as pessoas de maneira geral têm uma certa dificuldade em entender para além de serem levadas a pensar que me estou a divertir à custa delas. Portanto, Rocha não. Prefiro, agora que o meu sobrinho já é grande, pendurar-lhe um cesto nos pés e viajarmos um bocado pela Europa: não conheço Espanha nem França e só fui uma vez a Coimbra onde se anda de capa pelas ruas como na época dos três mosqueteiros, pedindo socorro com acompanhamentos de guitarras. O meu sobrinho, prestável, disse logo
-Vamos onde o tio quiser
e ando tentado a aceitar, no caso do Governo de Cuba o deixar sair da ilha onde está preso por ter violado o espaço aéreo. As cartas que tem escrito são animadoras: arranjaram-lhe uma gaiola limpa, a alpista não é má, deram-lhe um canário fêmea para satisfazer as exigências da carne e tem cantado a Internacional para os membros do Partido. Se o não usarem como espia das ogivas atómicas americanas deixam-no ir embora de certeza a menos que o canário fêmea tenha crias: sempre tivemos o instinto da família e não acredito que ele abandone os ovos.
(são amicíssimas)
oferece-se para a acompanhar o que eu proíbo terminantemente porque fui educado à antiga e além disso a minha mulher sofre de vertigens, tenho medo que caia do Rocha abaixo e se a minha mulher bater no Rocha quem se lixa é o mexilhão. Ela protesta com o argumentode que passamos a vida em casa e nunca a levo a parte nenhuma, propõe
-Para o caso de teres ciúmes porque é que não vens também?
mas escalar cunhados não é o género de divertimento que me excite. Talvez passemos lá as férias em agosto
(não temos de pagar nada)
com os miúdos, acampados num joelho ou assim, porque segundo a minha irmã Eneida há verões com bom tempo no Rocha e existe imenso espaço na barriga onde as crianças podem brincar e jogar à bola mas a mim assustam-me as derrocadas que a tosse dele provoca e não me apetece contar no emprego ao perguntarem-me
-Onde foste em agosto?
-Durante uma semana trepei pelo meu cunhado acima
que é uma coisa que as pessoas de maneira geral têm uma certa dificuldade em entender para além de serem levadas a pensar que me estou a divertir à custa delas. Portanto, Rocha não. Prefiro, agora que o meu sobrinho já é grande, pendurar-lhe um cesto nos pés e viajarmos um bocado pela Europa: não conheço Espanha nem França e só fui uma vez a Coimbra onde se anda de capa pelas ruas como na época dos três mosqueteiros, pedindo socorro com acompanhamentos de guitarras. O meu sobrinho, prestável, disse logo
-Vamos onde o tio quiser
e ando tentado a aceitar, no caso do Governo de Cuba o deixar sair da ilha onde está preso por ter violado o espaço aéreo. As cartas que tem escrito são animadoras: arranjaram-lhe uma gaiola limpa, a alpista não é má, deram-lhe um canário fêmea para satisfazer as exigências da carne e tem cantado a Internacional para os membros do Partido. Se o não usarem como espia das ogivas atómicas americanas deixam-no ir embora de certeza a menos que o canário fêmea tenha crias: sempre tivemos o instinto da família e não acredito que ele abandone os ovos.
António Lobo Antunes – Primeiro Livro de Crónicas,
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