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Sismos e cismas
Fui o cabeça de lista da CDU em 2001, na eleição para a Câmara Municipal da Horta.
Em plena campanha, bati à porta de um pré-fabricado, numa freguesia rural. Atendeu-me uma senhora que me ouviu respeitosamente, recebeu o panfleto da ordem e a seguir me perguntou: “O que é que o senhor tem para me oferecer?”.
Respondi-lhe que não era eu, era a força política pela qual me candidatava, falei de ideias, de projectos, da necessidade de mudança. Ela deixou-me falar e, no fim, lavrou a sentença: “O senhor até parece boa pessoa, mas o PS vai-me dar uma casa…”.
Depois de umas quantas portas a fecharem-se com a mesma resposta, sendo que uma delas até poetizou que “ninguém muda de cavalo a meio do rio”, senti que a luta continuaria mas que não tinha qualquer hipótese.
A reconstrução imposta pelo sismo de 1998, que arrasara grande parte do Faial, estava em curso. O PS, que era governo há dois anos quando a terra tremeu e mandava na Câmara já antes, tinha-se encarregado de espalhar que era ele, PS, que ia dar casas às pessoas.
Não há ideia que possa competir com tal oferta. Uma casa é uma casa, que diabo…
Esta a primeira reflexão que quero aqui deixar. Não se pode falar em democracia nos Açores. A democracia constrói-se e alimenta-se com o confronto de programas políticos, não com o peso na balança de quem oferece mais, sejam empregos, electrodomésticos, favores, rendimentos mínimos ou até, valha-me Deus, casas…
Não quero com isto dizer que o PSD não tenha agido com processos condenáveis, quando foi poder, entre 1976 e 1996. O que me levou a escrever, ao tempo, sobre a ausência de democracia em muitos domínios, nestas ilhas. Basta consultar os jornais do período, e encontrareis lá a minha voz.
Mas, tenho de reconhecer com enorme tristeza: nunca se atingiu antes um tal grau de abuso como aquele a que assistimos actualmente. Nunca esperei que os meus antigos pares, ao lado dos quais lutei para derrubar o PSD, fizessem igual ou pior para manter o poder.
A forma como governos dos dois partidos trataram o sismo de 1980 na Terceira e o de 1998 no Faial, é exemplo ilustrativo do que supra defendi. Vejamos as principais diferenças.
1 – Mota Amaral partiu do princípio de que “o Governo não é para fazer tudo”. Ajudou, de diferentes formas, mas foi a sociedade civil que se mobilizou na tarefa da reconstrução. Carlos César decidiu que o seu Governo é que ia reconstruir, afectando milhões do erário público a tal empreitada.
2 – O governo PSD decidiu ajudar apenas os proprietários dos imóveis danificados ou caídos. O governo PS preferiu presentear não apenas proprietários, mas também arrendatários e, até, comodatários. Enquanto na Terceira os contratos de arrendamento cessaram, por caducidade, no Faial quem era arrendatário viu-se com casa nova e quem tinha casa apenas emprestada também.
Não me alongarei noutras diferenças, como a que separou o GAR do CPR, ou a rapidez de uma e a demora de outra reconstrução.
Mas pergunto-me: qual a razão que levou o PS a não seguir, pura e simplesmente, o modelo de reconstrução terceirense, implementando-o no Faial. Se tinha corrido bem, terá sido apenas para não copiar o que havia feito o PSD? Terá sido por imaginar mais “socialista” a sua decisão reconstrutora?
O PS, para aumentar as suas falanges de apoio, criou uma tremenda injustiça de tratamento entre povos de ilhas diferentes, numa tragédia que era igual.
Rezemos todos para que nenhum sismo da intensidade dos anos de 1980 e 1998 atinja São Miguel. Por razões humanitárias, desde logo. Mas, se tal vier a acontecer, como será a reconstrução da ilha maior? Que modelo seguirá? Se for ainda o PS a governar, que Deus nos valha, se quiser replicar a solução faialense à escala micaelense.
Nem imagino quantos orçamentos regionais seriam precisos para reconstruir a Ilha Verde, sem fazer qualquer obra nas outras oito…
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)