ANTÓNIO BULCÃO · Gente que se julga II

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Gente que se julga II
Imagine o leitor que constrói uma casa de raiz e, mal-avisado sobre o bicho ruim que por aí anda, decide meter madeira que é feio na habitação.
Ele é tectos à vista de criptoméria, ele é sobrado de roseira, ele é janelas de eucalipto. Anos passados, numa noite está a ver televisão, tentando descobrir quem quer casar com um agricultor, e cai-lhe uma pisca de farelo no ombro. O leitor não liga nenhuma. Coisas da natureza, pensa, pois um caruncho aqui outro ali é coisa normal, que o parasita também tem direito à vida…
Semanas passadas começam as queixas da mulher. Que não tem mãos a medir nas limpezas, vassoura de manhã, aspirador à tarde, é farelo por tudo o que é canto. O leitor assusta-se e decide investigar. Chama de urgência um técnico da especialidade desparazitadora que cheira, espreita e lambe, no fim produzindo um relatório aterrorizador: isto está tudo tomado pelas térmitas.
Tratamentos para cima das maceradas madeiras. Coisa para matar, verniz para conservar, uma fortuna em químicos mal cheirosos, tudo indica que a casa se vai aguentar mais uns tempos grandes. Mas um olho em cada farelo, que o bicho ruim por vezes toma os tratamentos por maionese e ketchup, até parece que ganha mais apetite para roer, Nosso Senhor seja louvado…
Não se imagina o zeloso leitor a dizer “deixa andar” para a mulher, ou “quando cair o tecto logo se vê”, para si mesmo, pois não? Se não cuidarmos daquilo que é nosso, quem vai cuidar por nós?
Só que tenho uma má notícia para si, caro leitor: a casa que é de todos, a Casa da Autonomia, está a ficar cheia de térmitas. Analisemos algumas espécies.
Há a praga denominada “Parasitus Sellulariis Quaestibus”. Traduzido do latim, é o parasita sedentário, classe formada por aqueles que já andam há mais de vinte anos na política e que se preparam para continuar até à reforma das profissões que abandonaram e para as quais não querem voltar de maneira nenhuma.
Mas há outra espécie, muito mais perigosa e agressiva, denominada “Chicus Subtiliter”, em tradução livre “Praga dos Chicos Espertos”. Não quer dizer que não haja chicos espertos entre a praga sedentária. Só aqui na ilha conheci dois, um retirado, outro no activo. Mas a espécie pura é formada por rapazes que nunca exerceram uma profissão e que ingressaram directamente na vida política.
Bicharoco tremendamente atrevido e invasivo, tem uma predileção por tectos. Por outras palavras, querem chegar ao cume o mais depressa possível. E muitos já o conseguiram. São secretários regionais, líderes de grupo parlamentar, o que vier à rede é peixe.
Suspenderam os cursos superiores que estavam tirando para responder à necessidade imperiosa de tratar da vida de todos nós. O problema é que não se mostram preparados para zelar pelo colectivo, uma vez que nunca deram provas de serem capazes de cuidar das suas vidas pessoais.
O conhecimento e a preparação para fazer leis ou governar só podem vir de duas fontes: de saberes académicos ou da experiência da vida. O ideal é vir das duas, simultaneamente.
O problema é que, no caso dos chicos espertos, não vêm de nenhuma delas. Rapazins bem- falantes (alguns), vestidinhos como quem acabou de sair da comunhão solene, metem-se no partido do poder que lhes pode resolver a vidinha e vão trepando pela árvore acima, tomando a casca, roendo o miolo.
As razões pelas quais preferem a política a acabar os seus estudos e abraçarem uma profissão, são por demais evidentes, embora as possamos analisar futuramente. Mas uma coisa é certa: na cabeça destes chicos espertos, a política é o melhor para eles.
A chatice é que não é o melhor para nós…
Como começar a desparasitação, erradicar as térmitas de uma vez por todas e manter a Casa da Autonomia livre de espertismos, é tarefa colectiva. A não ser que queiramos tratar a casa comum pior do que tratamos das nossas…
António Bulcão