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Carta a Carlos César
Ó Carlos, só não digo que estás a perder faculdades porque nunca as tiveste. Mas pronto, estás a perder escolas secundárias…
Estou a brincar, obviamente, não leves a mal. Sempre te reconheci capacidades, nomeadamente uma esperteza fora do comum. Inteligente não creio que sejas, isso não, mas espertinho sempre foste. Só que mesmo essa espertice, por vezes rude, outras saloia, mas a maior parte do tempo eficaz, embora dirigida para o mal, parece ter desaparecido nos últimos tempos.
Vou tentar explicar-te a minha tese, embora sem qualquer esperança de que a entendas, tão cheio de ti continuas. Os imperadores têm dessas coisas. Creio, até, que alguns deles terão ficado surpreendidos por a morte não lhes obedecer e desviar a foice para os Brutus desta vida, no último segundo de olhos abertos neste vale de lágrimas.
Todos queremos para os nossos filhos o melhor. É natural e humano. Só que esse “melhor” depende da nossa formação, da nossa cultura, dos valores e princípios adquiridos na vida.
O melhor para os nossos filhos é o que eles acharem e decidirem que é melhor para eles. Raramente é bem-sucedido o médico, cujo pai já era médico, que força o filho a seguir medicina, quando o rapaz queria ser dançarino. No teu caso, no entanto, parece existir um padrão comum a pai e filho: ambos acham que a política é uma profissão. Aliás, como é público, toda a família César acha o mesmo.
Vou contar-te o que consta por aí nalguns círculos. Dizem, admito maldosamente, que gostarias de ter no teu filho um sucessor. E que muitas das decisões dentro do PS foram tomadas para atingir esse objectivo, de trancar na tola do rapaz a coroa imperial que foste tecendo a partir de 1996. Continua a dizer-se que Vasco Cordeiro foi uma solução transitória, porque o teu moço ainda não estava preparado. A favor desta teoria está a tua conduta ao longo dos anos, sempre muito presente e mandão, ao lado do presidente do partido e do governo.
Consta igualmente, de novo admitindo eu ser veneno puro, que o afastamento de André Bradford para o Parlamento Europeu foi para calar uma voz incómoda no interior do partido mas, ao mesmo tempo, permitir que o teu Chico ocupasse na Assembleia o cargo exercido por Bradford, líder do grupo parlamentar.
Soa, por fim, que te afastaste da ribalta a fim de abrir caminho ao teu rebento.
Não sei que verdade poderá haver nestas coisas que se dizem. Como desconheço que cargo estaria reservado para o teu filho, tivesse o PS ganhado de novo com maioria absoluta. Desconfio que seria um degrau mais acima, com mais visibilidade, já o vendo como sucessor de Vasco em 2024.
Repito: não sei se haverá alguma verdade nesses diz que disse. Mas há claros indícios de que tinhas planos para assegurar uma linha directa de poder.
O primeiro indício é a tua desorientação, o teu desespero, perante a solução que o PSD encontrou para tirar finalmente o PS do poleiro. Capotaste completamente, Carlos. Chegando ao ponto de falar no mesmo diabo de que falou Passos Coelho e de inverter as setas do símbolo do PSD. Um homem que foi presidente do governo regional tantos anos. Que foi líder do grupo parlamentar do PS na Assembleia da República. Que foi o obreiro da primeira solução em Portugal para impedir um partido vencedor de eleições de governar. E perdes a cabeça assim? Desta forma baixa e primária? Como um puto a quem tiraram a bola?
Mas há um segundo indício. Na noite de sábado, após o anúncio pelo Representante da República da sua decisão, houve um programa de informação da RTP-Açores. E quem o PS mandou para tal debate? O teu filho, Carlos. A última pessoa que deviam ter escolhido na actual conjunctura, foi a primeira de que se lembraram. Ou de que te lembraste…
Restava a possibilidade do rapaz ter sido brilhante. De mostrar a todos o que estávamos a perder. Só que o mancebo revelou-se um desastre completo. Entre gente de outro gabarito, sem a cobertura da maioria absoluta, foi cometendo erros primários, provando que aquelas declarações sobre a radioterapia no Hospital da Terceira não foram um “escasso”. O miúdo não tem mesmo jeito para a coisa, terás de admitir, por muito que te custe.
Começou logo mal. Saudando o PSD e a sua estratégia. Com a desculpa de o PS ser um partido democrático. Mas o desastre não advém de ser óbvia a hipocrisia. Decorre do facto de as suas declarações terem sido exactamente ao contrário do que disseras tu, presidente honorário, e do que dissera António Costa, secretário-coordenador. Rico delfim, credo…
Mas depois piorou. Insinuou claramente que o Representante da República já teria decidido indigitar Bolieiro quando falou a última vez com Vasco Cordeiro. Achou estranho que Bolieiro aparecesse no Solar 15 minutos depois do anúncio da sua indigitação. Resulta claro das suas palavras que o Representante da República estaria “feito” com Bolieiro e teria gozado com Vasco, querendo conversar com ele quando já teria escolhido o outro. Chamado à razão por Nascimento Cabral para o facto de estar a dizer uma coisa muito grave, tentou escapulir-se dizendo que não estava a afirmar, que apenas “parecia”. Mas o mal estava feito.
Nem lhe passou pela cabeça que o Representante da República já tivesse realmente escolhido Bolieiro e apenas tivesse chamado Vasco para lhe comunicar tal decisão? Para que o ainda presidente do governo em exercício não soubesse pela comunicação social? Tinha de insinuar que era “caixinha”? Que gritante inépcia…
Com um caderninho na sua frente onde foi tomando notas, como se estivesse numa aula, sebenta onde possivelmente já estariam escritas algumas dicas, que ele foi procurando revirando folhas, nunca mostrou que a gente devia ter pena por ter perdido ou adiado alguém de alto gabarito. Pelo contrário, deixou-nos todos com um suspiro de alívio por se ter quebrado um degrau na sua escalada ascendente, quem sabe ruído a escada toda.
Por vezes os genes falham, Carlos. Aceita que o miúdo não tem jeito para a coisa. E se se mostra tão diferente de ti, digo-te, para teu consolo: não dará grande político, mas talvez seja bom rapaz…
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
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