ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS

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Alice no País das Maravilhas, o enorme e brilhantemente enigmático conto de Lewis Carrol, é um dos mais fantásticos e inventivos sacos de metáforas da história da literatura mundial. Tido por muitos como um dos grandes exemplos do simbolismo, fruto da sua complexidade, ou densidade, interpretativa, o romance trata as vicissitudes de uma jovem rapariga pre-adolescente mergulhada no intenso conservadorismo da sociedade vitoriana. As personagens de Alice, que não de propósito habitam um mundo eminentemente onírico, são uma espécie de arquétipos fundacionais da odisseia individual pelo oceano do crescimento, desde a infância, à adolescência e à idade adulta. Uma espécie de livro de auto-ajuda passado num circo, para usar uma imagem mais compreensível ao nihilismo actual.
Uma das mais interessantes personagens secundárias de Alice é Humpty Dumpty, um ovo antropomórfico, sentado num muro, com quem Alice tem uma longa e desconcertante conversa, sendo que Humpty Dumpty é visto pelos estudiosos como uma representação da intelectualidade vitoriana, pomposo, redondo e absolutamente vazio. “Humpty Dumpty num muro se sentou, Humpty Dumpty do muro tombou. Nem todos os homens e cavalos do rei, conseguiram juntar Humpty Dumpty outra vez”.
Ora, para a leitura que aqui me interessa Humpty Dumpty é a metáfora perfeita para José Manuel Bolieiro e o seu governo e, ontem, ouvindo André Ventura, não conseguia deixar de me lembrar desse ovo, inexpressivo e sorridente, balançando periclitante sobre o beiral de um muro numa hesitante e inquietante dança entre o equilíbrio e a mais que inevitável destruição. Se juntarmos a isto a verborreia verbal e a incongruência narrativa e José Manuel Bolieiro é um Humpty Dumpty chapado.
Desde as eleições de Outubro que todos sabíamos que esta coligação estava fadada ao fracasso, embora, nem os mais pessimistas entre nós pudessem imaginar o quão retumbantemente mau seria, como é, este governo, coberto, como está, por um manto de incompetência, amadorismo e, o pior de tudo, oportunismo, boçalidade e ressabiamento anti-socialista. Não só o casamento contra-natura de Arturito, Boli e Estevão, tripla de Salteadores da Arca do Poder, era não sacramentável, como a sua base de sustentação parlamentar, apoiado em duas andas bambas, qual equilibrista de circo de quinta categoria, não lhe previa qualquer espécie de futuro e ou longevidade. Tanto assim é que por bruxedo essas andas se transformaram num pé de galinha tripartido com a defenestração do Sr Furtado do Chega! A verdade é que se não cair agora este governo mais tarde ou mais cedo cairá e, como Humpty Dumpty, nem todos os homens e cavalos do rei o conseguirão juntar outra vez…
No entanto, esta mais recente crise traz-nos a outra perplexidade – para que servem verdadeiramente os partidos políticos? Os românticos, como eu, dirão que os partidos servem para colocar em confronto e à escolha dos eleitores visões ideológicas distintas sobre a gestão da coisa pública, devendo, num mundo perfeito, alternar entre si, em períodos de tempo predefinidos, as responsabilidades da governação. Os cinicos, que são muitos e provavelmente a facção dominante, dir-vos-ão que os partidos só servem para ganhar eleições e repartir entre si os despojos da governança. Em boa verdade é difícil não alinhar com os cinicos quando se olha para a política portuguesa actual…
Mas, aparte isto, as atenções mediáticas viram-se agora para o pitusco Jose Pacheco e os seus quinze minutos de fama nacional. Desde as tardias horas de ontem até a alva madrugada de sexta-feira os doutos júris consultos do comentário politico e os mangas de alpaca do aparelhismo partidário aguardarão, não sem arfante ansiedade, que Pacheco dite, no seu politiquês técnico habitual, o futuro da carripana governativa regional.
E, verdade seja dita, a realidade é que a política e os partidos tornaram-se hoje única e exclusivamente nisto, por mais românticos ou cinicos que neles militem, num salto pela toca do coelho para um pesadelo opressivo e irrespirável de irresponsabilidade, egocentrismo e taticismo eleitoral.
Enquanto isso, o povo, na sua quietude bucólica suspira, tímido e desesperante, um quase inaudível “deixem-nos trabalhar” …
Aditamento: ao contrário do que muita gente possa pensar e do que eu próprio, de certa maneira, deixo subentendido neste post o elemento fulcral do xadrez político regional neste momento não é Ventura, ou Pacheco, ou o pobre do Sr Furtado, mas continua ainda e sempre a ser o meu amigo Nuno Barata e a Iniciativa Liberal. A questão fundamental a que o Nuno Barata Almeida Sousa vai ter que colocar a si mesmo é se o seu eleitorado é apenas um conjunto de desanimados da direita tradicional, descontentes do CDS e do velho PPD, um pouco até à sua imagem, ou antes já um novo eleitorado, de matriz geracional substancialmente diferente composto por jovens que não compreendem, nem querem compreender, o sistema político partidário tradicional e que buscam na política respostas e soluções para os seus anseios e ambições, representados no jovem Parreira da Terceira, não já um neo-liberalismo, que esse termo está gasto e conspurcado pela agonia capitalista, mas um novo-liberalismo económico e social, de terceira via, que numa lógica de respeito pelo próximo permita a cada um fazer o que lhe apetecer e melhor conseguir pela sua vida e pelo seu futuro. É a isto que Barata e Cotrim vão ter que responder, porque como diz o povo diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és e se neste momento não é mais penalizador estar a servir de muleta de uma coligação de incapazes, do que arriscar e correr o risco de deixar o PS ganhar eleições outra vez. É das respostas a estas questões que vai sair o nosso futuro próximo…
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Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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