alexa põe a máquina a lavar por joão bendito

ALEXA! PÕE A LOUÇA A LAVAR!
Estou à beira dos setenta, faltam-me poucos meses para lá chegar.
Quando eu era criança, uma pessoa de setenta anos, era velha. Não seria apenas pelo aspecto físico, mas também pelo modo de vestir ou pelas coisas que (não) fazia. Sim, é verdade, trabalhava-se até ao fim da vida, eram poucos os que se podiam dar ao luxo de dizer que eram reformados. Ser reformado era quase como sinónimo de malandro, de pessoa que vivia à custa dos outros, uma situação reservada para quem tivera a sorte de ter vivido uma vida desafogada. Claro que estou a generalizar, estas regras não se aplicavam a todos e eu não tenho nada contra os que souberam passar por esta existência com uma perna às costas. Pelo menos foram mais espertos do que eu, aqui lhes tiro o meu chapéu.
Portanto, quero com isto dizer que me estou a inquietar para fugir às rilheiras que me estão a conduzir à velhice. Já escrevi sobre isso, ser velho não me assusta (por enquanto…), considerando que é uma situação muito melhor do que a alternativa, isto é, já ter passado para o outro lado da vida. Bem, logo que possa ir seguindo com alguma saúde, boa disposição e frescura de espírito. A presença da família e de um punhado de amigos ao nosso lado é essencial, assim como o é o facto de podermos usufruir dos benefícios das novas tecnologias, principalmente no campo da medicina.
Estes avanços tecnológicos deixam-me, por vezes, espantado. Ontem estava entretido na tarefa de traduzir umas crónicas e arrepiei-me. “Como é possível esta máquina fazer isto com tal velocidade e com esta minúcia?”, perguntei aos meus botões. Não foi a primeira vez que usei este processo, que nunca deixa de me enriçar o juízo. Afinal, é fácil, para quem tem uma pisca de habilidade de como usar um computador: escolhes o texto que queres traduzir, escorregas o rato sobre ele para o pintares de azul e carregas no “copiar”; abres, a seguir, o programa do tradutor Google e empastas o teu texto nele. Não demora dois segundos, aí tens o resultado, a crónica passou de português para inglês num instante. Não é preciso vir aqui dizer que há mais trabalho a fazer, tens que corrigir várias frases ou palavras, estes tradutores não são perfeitos. Então, para quem como eu, que uso muitos termos populares ou regionais, a tradução faz-nos dar umas gaitadas porque tudo é traduzido à letra. Numa frase onde usei um galicismo – “a menina tinha uma toilette muito bonita” – o Google resolveu informar-me que a menina tinha um sifão (toilet) muito bonito. Traduziu por aproximação…
Fiquei a pensar neste e noutros pequenos milagres. Alguns, nem demos pela passagem deles na nossa vida. Eu nunca soube bem o que é um MP3. Mais lá para trás no meu percurso de vida, apareceram outras inovações que, afinal, são sempre sinal de progresso. Sou do tempo em que as caixas de fósforos e os isqueiros de faísca foram substituídos pelos Zippo americanos, os fogões Primus deram lugar aos de gás e os pequenos rádios portáteis faziam a alegria de muitos. Os grandes gravadores de bobines passaram à reforma, já que os mais pequeninos, com cassetes de fita magnética, cabiam numa algibeira e nem precisavam de eletricidade, bastava um par de baterias. Toda a gente podia ter música em casa sem ter que estar com o ouvido encostado ao aparelho de rádio, na prateleira da sala. Com o primeiro ordenado que recebi do meu também primeiro trabalho, comprei, ao meu vizinho Amílcar “Quatro Escudos”, um gira-discos americano. Requeria o uso de um transformador, mas esse
era o problema menor, o pior era sofrer as zangas da minha mãe, que cismava que a música
estava sempre muito alta.
Aqui, no EL Dorado, na terra das modernidades, já não tenho conta das maravilhas tecnológicas que me foram passando em frente dos olhos. Mesmo assim, sem querer ser saudosista, ainda recordo a primeira televisão que comprámos, que nem transmitia a cores e te obrigava a levantar o traseiro do sofá quando querias mudar de canal (eram apenas meia dúzia!) ou abaixar o som; agora, tenho acesso a uns duzentos canais, mas continuo só a ver dois ou três. E o controlo à distância resolve as mudanças todas apenas com uns toques do polegar. Para já não falar sequer que nem precisamos antenas, umas caixinhas pequeninas trazem-nos imagens e sons mesmo até do outro lado do mundo, via satélite.
Talvez dos aparelhos que sofreram – melhor dizendo, beneficiaram – de maiores transformações, foram os telefones. Outro dia mostrei ao meu neto uma fotografia de um daqueles com mostrador rotativo e ele não sabia o que aquilo era. Substituímos esses por uns que tinham um ecrã tipo calculadora e um gravador incluído, para receber e enviar mensagens de voz. Ainda usei, no meu carro, um dos primeiros telefones portáteis, quase do tamanho de uma caixa de sapatos. Pelo caminho do esquecimento ficaram também as “beepers”, hoje quase só usadas nos hospitais. Eu ficava levado do Diabo, quando, ainda sem telefone portátil, tinha que sair da autoestrada para procurar uma estação de serviço onde pudesse usar um telefone e me respondiam que já tinham resolvido o problema.
Que dizer dos telefones atuais? São telefones ou são computadores? Ou são máquinas fotográficas? Ou são televisões? Parece-me até que são utilizadas para estas coisas todas, sendo a de menor uso o telefone em si. Enviamos mensagens de texto e de voz e nem precisamos conversar com a pessoa do outro lado. Há uns 10 ou 12 anos eu resistia à moda e não queria um telefone que tirasse fotografias, preferia cada atividade executada pela sua máquina especifica. Pois… o telefone que tenho agora, e que nem é dos mais sofisticados, tem três lentes e um completo laboratório fotográfico lá dentro, com tanta variedade de operações que eu nem sei trabalhar com a maioria delas.
Outra modernidade que tenho tentado não entrar cá em casa, pelo menos por enquanto, é a Alexa. Pode ser que seja muito útil e eficiente, mas ainda não me convenceu. Acho-a um pouco a tender para a mexeriquice, parece uma das nossas vizinhas da Miragaia, bastava fazer-lhe uma pergunta e ela desbobinava tudo o que sabia e o que inventava sobre o assunto. As minhas netas nem precisam de gira-discos, de gravador de cassete ou de MP3. Basta darem uma ordem e a fiel Alexa põe logo o Shawn Mendes a chamar Señorita à Camila Cabello. Eu já percebi como é que a Alexa trabalha, mas, mesmo assim, ainda me mete impressão como é que a maquineta consegue apagar e acender tanto interruptor de luz ou pôr tanta máquina de lavar louça a trabalhar ao mesmo tempo! O jeito que ela teria dado à minha mãe.
Pronto, queria deixar as modernidades em paz e ir ler um livro, mas estou a lembrar-me que tenho ainda muitas crónicas para traduzir.
Afinal, já sou velho, mas não posso viver sem as tecnologias modernas. E bem bom que assim é.
PS: Depois de ter enviado esta crónica para o jornal, ficou-me a impressão que eu já tinha escrito alguma coisa muito parecida com o que aqui foi dito acima. Mais uma prova que a velhice está a bater à porta e que, como já são muitas as crónicas – só para o “Tribuna Portuguesa” já foram 170 – vou esquecendo os assuntos tratados nalgumas dela, acabando por repetir temas ou passagens. Fui rebuscar nos arquivos e confirmei que, em Abril de 2019 publiquei a crónica “AI TAL TRISTEZA!”, que não rima, mas encosta um pouco com esta. Pelo menos fica a consolação que, se me acusarem de plagio, posso usar a defesa de que me plagiei a mim próprio.
Lincoln, Califórnia, Outubro, 3, 2021
João Bendito
Chrys Chrystello
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