AÇORES. VACAS, VÍDEO PREMIADO

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Dora Martins trabalha na exploração agrícola dos pais nas Capelas
Vídeo protagonizado por agricultora açoriana vence prémio no Cine Paris Film Festival
Correio dos Açores – Como se sente por ser a protagonista de um vídeo publicitário da Lactaçores premiado no Cine Paris?
Dora Martins – Sinto-me muito orgulhosa. Foi um desafio muito grande que superamos da melhor maneira e, sem dúvida, com o apoio de todos os que estavam envolvidos.
Como é que surgiu o convite para participar no vídeo?
A divulgação foi feita nas redes sociais. Fui incentivada por um grupo de pessoas para me inscrever e acabei por ser contactada. Como é óbvio, não estava ligada à área publicitária, mas o realizador, Nelson Carvalheiro trabalha muito com pessoas que não são da área e isso tranquilizou-me muito. Foi um desafio muito engraçado. Acredito que qualquer pessoa poderia fazer aquele anúncio, mas escolheram-me porque retrata aquilo que faço realmente, no meu dia-a-dia, que é ser agricultora.
Como foi crescer numa exploração agrícola nos Açores? Sempre teve gosto pela lavoura?
Quem conhece a Dora sabe que no seu ADN há vacas, é inevitável! Sempre foi um gosto meu e, apesar de gostar muito da escola, quando saí enveredei logo para a vida dos meus pais, mas mesmo por gosto e não por não ter outras opções profissionais ou por falta de possibilidades para estudar. Quis abraçar o projecto de vida dos meus pais e espero dar continuidade. A agricultura tem um peso muito grande na minha vida pessoal, só me vejo a fazer isto e é sem dúvida a minha paixão.
Pode descrever a sua lavoura?
Trabalho na exploração agrícola dos meus pais que, neste momento, tem um efectivo de 230 animais. Fazemos um misto de produção leiteira e de carne. No efectivo de leite temos cerca de 100 animais. A nossa exploração está situada numa zona de 600 metros de altitude na zona das Capelas. São animais que vão todos os dias a pastoreio. Fazem duas ordenhas por dia, por volta das 5h00 e das 17h00.
Que comentário faz ao estado da agricultura nos Açores?
Dar uma entrevista a um jornal e não falar da agricultura nos Açores, não é ser agricultora. Em primeiro lugar, quero deixar um apelo às empresas de lacticínios da Região: É muito bonito promover os nossos produtos lácteos e eu própria o fiz, mas fi-lo e hei-de fazer sempre com o intuito de valorizar o nosso produto.
Mas valorizar o nosso produto não é só na prateleira, é preciso valorizar a nossa produção. Porque, neste momento, o produtor está a ser muito massacrado e não há um preço acessível aos custos de produção.
Há que travar quem está a ganhar dinheiro à custa da produção leiteira, porque alguém anda a ganhar dinheiro, mas com certeza que não é o produtor de leite. Fazer este tipo de marketing e não valorizar a produção não vale de muito. Não estamos nesta terra e na actividade agrícola para viver de subsídios. Já basta. Orgulho-me muito do trabalho que fiz e espero que tenha muito êxito para promover sempre a nossa Lactaçores, mas o que mais espero é que consigam vender o nosso produto favorecendo a nossa produção. Entrei neste projecto principalmente com o intuito de promover aquilo que produzo todos os dias, juntamente com os meus familiares e os meus colegas produtores.
Há alguém que anda a ganhar uma grande margem de lucro com os produtos lácteos e tem de haver mais fiscalização sobre quem vende. Porque quem produz faz o seu trabalho. E quando falo de grande margem de lucro não me refiro apenas às fábricas de leite, mas há muitos lucros distribuídos da fábrica de leite à prateleira das grandes superfícies comerciais que aí, sim, tem muito que se lhe diga, e é aqui que tem de haver fiscalização. Se existem vistorias para os produtores ao mais alto nível – desde o bem-estar animal, o maneio da exploração, até à limpeza da exploração para que tenhamos um produto certificado para as fábricas de leite venderem o seu produto com maior rentabilidade e o produtor também ganhar algum, então para onde é que vai o dinheiro? Se a nós são feitas exigências, para onde é que vai esse valor? O produto na prateleira está valorizado. Então para onde é que vai esse dinheiro? Com certeza que não vai para a produção.
Cada vez mais vemos os jovens a afastarem-se das explorações agrícolas, jovens que não querem dar continuidade às vidas dos seus próprios pais. Outra questão importante são as taxas de segurança social dos nossos jovens agricultores. Estou há 14 anos na exploração dos meus pais e nada muda. São taxas exorbitantes para quem está a começar a vida na agricultura. Não se pode olhar só para a receita do jovem agricultor.
Também quero salientar as reformas antecipadas dos nossos produtores. Esta é uma actividade profissional de muito desgaste físico e acho que qualquer pessoa consegue perceber isso. Cerca de 95% dos produtores que estão no activo têm um desgaste físico muito grande e não compreendo como é que um lavrador com 68 anos ainda consegue estar no activo sozinho. E se pede uma reforma antecipada, vai levar um corte por não ter condições de saúde para manter a sua paixão. E, portanto, a reforma dos agricultores têm se ser muito bem ponderadas.
Outra questão é a dos fiscalizadores do bem-estar animal que não decidem como é que devemos transportar os animais. Se transportamos com um tapete de borracha é um problema, se transportamos com farelo, é outro problema. Peço que se decidam. Que vão ao encontro do produtor e expliquem como é que querem realmente que se transporte os animais. Por exemplo, um touro que se considere agressivo não pode ir dentro de um reboque porque é considerado mal-estar animal, mas se o touro se virar e matar alguém, aí como é que fica? Já não é uma situação de bem-estar animal, é uma questão muito mais grave. Há excepções e as leis têm de ser feitas de acordo com as situações reais. Saiam dos escritórios e venham ao campo ver a realidade do nosso dia-a-dia.
O produtor poderia fazer muitas infra-estruturas, muitas melhorias, adubações correctas nas pastagens, utilizar melhor os estrumes, se não tivessem a situação que temos de as vizinhanças fazerem queixas e a GNR ir logo ao nosso encontro. E somos punidos por estar a usar estrume nas terras. Por outro lado, temos os ambientalistas a dizer que não podemos ter grandes quantidades de fertilizantes, nem herbicidas. Mas, depois, quando vamos colocar os estrumes, que é uma forma muito mais saudável de fertilizar as terras, temos a GNR à porta porque há queixas de mau-cheiro na via pública.
Quero muito que o sector leiteiro tenha melhorias. E nunca vou desistir desta minha paixão e desta luta. E espero que venha um futuro mais risonho para a nossa produção agrícola, para os nossos jovens agricultores, para que os nossos pais fiquem descansados por saber que alguém vai dar continuidade ao seu trabalho neste mundo.
Como é ser mulher numa profissão maioritariamente de homens?
Eu fui criada nesta vida e, quando decidi envergar profissionalmente, já sabia que este era um meio maioritariamente de homens, mas isso nunca me incomodou. Sempre fui muito sociável e sei impor muito bem os meus limites. Gosto de comunicar com todos com o devido respeito. Ainda hoje existem alguns olhares de estranheza por verem uma mulher de botas de cano, mas tirando essa estranheza, acho que, apesar de trabalhar num meio maioritariamente de homens, não tenho qualquer queixa por nenhum tipo de desrespeito e não me sinto discriminada por ser mulher.
Acredita que o seu exemplo vai inspirar mais mulheres a seguir a profissão?
Há cada vez mais mulheres em Portugal e pelo mundo a dedicarem-se à agricultura. Acho que as pessoas têm de saber o que querem ser no mundo. Posso querer uma coisa hoje e amanhã querer outra, mas quando há paixão, não mudamos assim tão facilmente. Passamos por muitos desafios, mas é na hora da dificuldade que vemos a nossa força. E sim, quero ver mais mulheres na agricultura açoriana.
O filme intitula-se por “Inspiração para criares o teu próprio mundo”. O que é que essa mensagem lhe diz?
Aquilo que esta frase me diz é o seguinte: façam as vossas escolhas porque as pessoas têm de ser felizes à sua maneira e ninguém tem o direito de mudar.
Daniela Canha
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Francisco Granadeiro

Daniela Canha gostei muito do seu artigo, muitos parabéns
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