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“Sou emigrante, sim, mas não sou dos que fala metade francês, metade português.
Os meus filhos não são daqueles que vêm e não percebem os avós,falam português, dizem merci, em vez de obrigado,mas há por aí muito adulto que nem obrigado, nem merci.
Não uso um terço ao pescoço, não tenho uma tatuagem de Portugal, nem um autocolante no carro, ah e por falar em carro, eu sei conduzir,não estou o ano inteiro sem conduzir para vir cá em agosto dar-vos cabo do trânsito.
Não passo o ano a poupar para me vir exibir nas férias, para fingir que 20 euros para mim não são 20 euros.
Sou alguém que passa o ano longe da família, que passa o ano a sonhar com as férias, que vem a Portugal e come bacalhau,feijoada,bolo de arroz,pão de Deus…como se fosse o melhor manjar dos deuses, porque para nós é, sabe a casa.
Sou dos que vai à praia e em cada onda vê as recordações de idas à praia constantes, quando agora são tão limitadas.
Sou dos que chora quando chega e vê a família e chora ainda mais quando parte e vê a família a dizer adeus pelo retrovisor.
Sou quem se despede dos avós e ouve sempre um: “para a próxima já não me vês meu querido.” E ralha com eles, mesmo sabendo que um dia vão ter razão.
Sou das que volta das férias ainda mais cansado do que chegou, tal é a vontade de ser o primeiro a acordar e a último a deitar para tudo ao máximo.
Sou dos que todos os anos dizem que para o ano vão conhecer também outro país, mas quando chega a hora só querem relembrar Portugal.
Sou o estrangeiro na Suíça e o estrangeiro em Portugal.
Sou dos que sempre que vem, fica com o coração preenchido, e quando volta começa a contagem para as próximas férias.
Por isso parem lá com as piadas dos Avec’s.
Ser emigrante não tem assim tanta piada.“
Página de Fernando Pessoa
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