a marquise do Ronaldo

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POSTAL DO DIA
A marquise de Ronaldo
1.
O problema não é a história da marquise de Cristiano Ronaldo. Se não podia ser construída que se resolvesse o problema de acordo com o que a lei determina – ninguém está acima da lei e Ronaldo compreenderá certamente isso.
Não, o problema não é a marquise.
O problema é outro, o do preconceito de alguma elite que, no fundo dos seus fundos, espera sempre por uma oportunidade para rebaixar com um preconceito de classe.
“O bimbo”
“O saloio”
“O matarruano”.
Basta um meio deslize e uma declaração indignada de um arquiteto da moda
“Que ignóbil”
“Estou chocado”
“É uma conspurcação”.
José Mateus é o arquiteto que definiu, por estas e outras palavras, a marquise.
2.
Não, o problema não é a marquise.
O problema é o dinheiro de Ronaldo.
O problema é o despudor do sucesso.
O problema é a forma como muitos dos nossos bem-nascidos – ou dos que inventaram ser bem-nascidos – assim que têm uma oportunidade se revelam no pior que a arrogância tem.
Bastou uma marquise para que Ronaldo passasse a ser gozado pelo mau gosto, pela pornográfica ostentação, pela falta de respeito que tem pelo que é verdadeiramente bom.
E ouvimos e lemos…
“O gajo pode ter muito dinheiro, mas no fundo continua a ser o que nasceu num buraco”.
“O tipo pode estar coberto de ouro, mas faça o que faça será sempre o menino sem gosto, sem cultura, miserável de espírito”.
“É muito bom a jogar futebol, mas o resto é uma desgraça.”
3.
O problema não é mesmo a marquise.
O problema é o preconceito.
O problema, caro arquiteto, não é a conspurcação do que foi feito, o choque que sentiu por lhe terem alterado o projeto ou as suas adjetivações.
Não, o que é ignóbil não é a marquise.
O ignóbil é existirem pessoas que morreram por falta de cuidados e de equipamento em cuidados intensivos – e Ronaldo não tinha (como o fez) a obrigação de financiar um novo serviço de cuidados intensivos no Hospital Santa Maria e com isso gastar mais de três milhões de euros.
Ignóbil é existirem crianças que morrem com leucemias, cancros nos ossos ou paralisias cerebrais – e Ronaldo não tinha (como o fez) de pagar este ano, e anonimamente, os tratamentos de mais de vinte crianças. Peço desculpa por cometer a indelicadeza de aqui o revelar.
Ignóbil foi não existirem ventiladores suficientes na Madeira durante o pico da pandemia – Ronaldo não tinha (como o fez) de pagar cinco ventiladores ao Serviço de Saúde da Madeira.
4.
A marquise não é um assunto importante.
Se é ilegal que se resolva o problema.
O problema é a vontade de achincalhar.
A vontade de humilhar, de sorrir com desdém, de gozar o prato, de vingar a terrível circunstância de ver um zé-ninguém ter a desfaçatez de pôr e dispor das ideias e do talento das elites.
O problema é ele pôr e dispor como se fosse bem-nascido e não um pé descalço criado num buraco do Funchal e com um pai alcoólico. Por aqui se vê que a marquise foi apenas o pretexto para muitos se terem indignado com a falta de educação, a falta de gosto, o subúrbio humano que é Ronaldo.
Não se faz.
Simplesmente não se faz.
E isso sim foi ignóbil e uma conspurcação.
LO
May be an image of tree and outdoors