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Uma pausa para um cigarro, outra para o café, passam a ser descontadas no salário, diz um Tribunal em Espanha perante as queixas dos accionistas da Galp. Ontem liguei a uma amiga, uma médica extraordinária – humana, científica e politicamente, um trio dos improváveis – e perguntei-lhe se o cansaço e a dor de cabeça de um familiar meu eram sinal de perigo, pensando já num cenário apocalíptico de uma infecção grave, no qual desenrolei todas as doenças assustadoras que existem, e ainda as que estão por existir, que também imaginei com razoável detalhe. Ela, com doçura e calma, fez-me algumas perguntas e disse-me que não, ele que ficasse em casa, vigiado, mas nada mais. Pelo telefonema que me fez umas horas depois – onde conversámos sobre sinais, sintomas, medos, antevisões e respostas racionais – percebi que ela comigo tinha sentido o mesmo que eu hoje senti quando uma jornalista me ligou perguntando o que eu pensava das pausas para o café serem descontadas no salário. Não pela jornalista, que faz um excelente trabalho, aliás ao ligar-me procurava o contraditório da notícia que correu mundo noutros jornais, como se de algo aceitável e debatível se tratasse. A minha perplexidade é a de quem tem de responder a uma realidade paranormal, a uma pergunta mágica, a uma realidade inexistente.
Vejamos, em primeiro lugar devíamos estar a debater porque as pessoas não ganham pelo menos o dobro ou triplo do que ganham já que os salários reais estão congelados face ao custo de vida na Europa em média há duas décadas; em segundo lugar devíamos estar a debater porque não trabalhamos 3 horas por dia, durante 4 a 5 dias, já que a produtividade do trabalho tem subido sistematicamente com o recurso a novas tecnologias; temos que perguntar como está a vida afectiva, sexual, pessoal, e a saúde das pessoas, na Galp e fora dela, com horários de trabalho cada vez mais longos. Quantas tarefas fazem hoje os trabalhadores e quantas faziam há 2 décadas; quantas vezes comem peixe fresco de mar e quantas vão ao cinema. Depois temos que debater porque a Galp é privada, já que toda a sua estrutura foi paga pelo sector público. Podemos descer a um nível mais básico, não debater que sociedade queremos, e perguntar desde quando é que uma pausa não é essencial ao aumento da produtividade, desde quando é que trabalhar sem parar aumenta a produtividade – em que lado do mundo isso se verificou alguma vez na história? Nenhum. Aliás, o contrário é verdadeiro – menos pausas, menos produtividade.
Mas não podemos ainda de deixar de perguntar ainda se a Galp, uma vez que vai descontar as pausas, se vai começar a pagar o tempo que os trabalhadores estão em transportes para irem para o trabalho, o tempo em que estão a fazer comida para levar para o trabalho, o tempo em que estão a ir às compras para comprar roupa para levar para o trabalho, o tempo em que estão a secar o cabelo para irem trabalhar, o tempo em que estão a dormir para poder trabalhar no dia seguinte, o tempo em que estão a cuidar dos filhos para virem a ser trabalhadores da Galp, a hipoteca da casa onde vivem que lhes permite viver para trabalhar, e a prestação do carro que usam para ir trabalhar para a Galp…No fundo o que eu quero mesmo saber é se a Galp vai descontar o café e pagar tudo o que os trabalhadores fazem fora do trabalho que serve cada vez mais – e apenas – para irem trabalhar para a Galp mal acordam, a cada dia.
Estamos submersos num mundo irreal, sem uma linha de esperança no horizonte, onde não nos atrevemos a perguntar o essencial: porque é que existem accionistas da Galp? Qual é o contributo para a sociedade de um “accionista”? O que é que esta gente faz na vida, em pausa ou fora dela?