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A ler ATÉ ao FIM. A ser assim é aterrador isto
“A era do caos”
Há cerca de 26 anos que, intermitentemente, dou aulas na universidade. Pelas minhas aulas já passaram quase todo o tipo de pessoas. A primeira cadeira que leccionei foi no ano lectivo de 1998. Nas horas de tutoria, os alunos formavam uma fila à porta do meu gabinete. Responder a todas as consultas, curiosidades, dúvidas… era tão exaustivo quanto gratificante. As constantes perguntas dos estudantes em aula obrigavam-me a estar muito bem preparado.
A cadeira era difícil e as questões de desenvolvimento faziam os exames durarem horas. Era impossível corrigir os exames em menos de dez dias e as avalições eram complexas — especialmente para bons alunos.
Mas isto é apenas eco do passado distante. Hoje, mais do que ensinar, dedico-me sobretudo a enganar. As turmas hoje têm cerca de 50 alunos, dos quais raramente mais de 10 ou 20% assistem às aulas. Aqueles que vêm, na sua maioria, trazem um portátil e/ou um telemóvel que utilizam descaradamente durante as horas de aula. Os rostos dos alunos escondem-se por detrás dos ecrãs. Na verdade, conheço melhor as marcas dos seus dispositivos do que os seus traços faciais. É raro alguém fazer uma pergunta, por mais que sejamos encorajados a fazê-lo. Quinze minutos antes do fim da aula já estão a arrumar as suas coisas, ansiosos por sair.
Cada vez mais me sinto como um professor de escola secundária numa série medíocre dos anos 80 do que como um professor universitário. Frequentemente tenho de me calar porque o murmúrio geral se espalha pela sala de aula e sinto vergonha de ter de mandar calar os universitários constantemente. Já separei pessoas para que não conversassem entre elas, já expulsei alunos da sala de aula e até já me retirei da aula perante o mais absoluto desinteresse.
Consciente de que para vocês sou apenas mais um estímulo concorrendo com as redes sociais e o vasto império da Internet, evidentemente, sou mais aborrecido do que um vídeo de influencers do TikTok. Sei que estou em desvantagem, mas aceitei o desafio.
Como resposta a este panorama e, em consonância com as normativas universitárias sempre em mudança (invariavelmente piores que as anteriores), nós professores, decidimos tomar providências, que se resumem no seguinte:
Baixamos o nível da matéria. Ensinamos menos temas e de forma muito mais superficial.
Fazemos testes intercalares como estabelece a avaliação contínua, numa tentativa de aprovar mais alunos, pois um número superior de chumbos ao que a universidade estabelece como limite implica uma sanção que afecta o orçamento do departamento, escravizado pelo denominado “contrato-programa”.
O nível dos trabalhos e apresentações dos alunos aproxima-se cada vez mais de uma apresentação de Natal — mas é mais do que suficiente para dar um 10.
Deste modo, cumprimos o contrato-programa, o departamento está contente, a universidade está contente, os nossos alunos passam, acreditam que sabem algo e estão contentes, e nós murchamos diante da triste realidade.
Assim sendo, digo-lhe que a minha função se tornou enganá-lo, caro aluno/a. Vive numa ilusão que nós adoçamos. Então, é melhor que se queira continuar a viver na sua bolha, enquanto pode, não continue a ler, porque vou dar-lhe a “red pill”. Se ainda está a ler, está a fazê-lo por sua conta e risco. Não diga que não avisei.
Aqui vão algumas verdades que não vai gostar de ouvir:
1. Falta-vos habilidades básicas que são fundamentais no ensino superior. Não possuem pensamento críticos nem se sabem expressar com clareza e coerência.
2. O vosso vocabulário é limitado e consiste principalmente em verbos fracos como ‘fazer’, ‘ser’, ‘estar’. É como se a vossa caixa de ferramentas linguísticas tivesse apenas um martelo quando, na verdade, precisam de um conjunto completo de ferramentas.
3. Quando entregam um trabalho, salta à vista que o copiaram de sites. Se introduzem frases sofisticadas como “considerando a possibilidade de articular o conceito …” é claro que não foram vocês que as escreveram. O vosso discurso não combina com estas palavras. É como ver um gato a tocar piano .
4. Frequentemente, apresentam uma completa desvalorização das obras clássicas. Obras fundamentais da Matemática, Filosofia, Literatura ou das Ciências, são descartados como “aborrecidos” ou “irrelevantes”. Mas, não se enganem, é através do conhecimento do passado que poderemos construir um futuro mais promissor.
5. O vosso compromisso com a aprendizagem é diretamente proporcional à proximidade da data do exame. Em vez de se empenharem na absorção consistente de conhecimento ao longo do semestre, preferem decorar alguns pontos na véspera do exame.
6. A vossa capacidade de se concentrarem num assunto é menor do que a de um esquilo numa floresta cheia de nozes. Estão constantemente distraídos pelos vossos smartphones, redes sociais e pelo último meme do momento. A vida parece girar em torno das “likes”, dos “shares” e dos “retweets” onde o valor é aferidos, não pela qualidade mas as métricas das redes sociais .
7. Por último, mas certamente não menos importante, a tendência para encontrar atalhos e soluções fáceis é alarmante. Se vos pedem para escalar uma montanha, a primeira coisa que fazem é procurar um teleférico ou um helicóptero. O esforço é visto como algo desnecessário e inconveniente, esquecendo que é a luta que nos torna fortes.
Devo admitir que, no meio desta sátira amarga, há exceções. Alunos dedicados, inquisitivos, apaixonados pela aprendizagem. Estes dão-me esperança e lembram-me porque escolhi a docência. Mas, infelizmente, esses são cada vez menos.
Poderia continuar, mas acredito que já percebeu o ponto. Somos os facilitadores de uma mentira conveniente, uma mentira confortável. Mas saiba, caro estudante, a solução está em você. Não na universidade, não nos sindicatos, não em cantos de sereia de -ismos e não nas redes sociais. A solução está em si. Se mudar, o mundo muda. E se não quiser mudar, não se preocupe, vamos continuar a enganá-lo, a faze-lo acreditar que está a fazer muito bem.”
Via Asha Bodhi
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