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Em dialogos_lusofonos@yahoogrupos.com.br, Margarida Castro <margaridadsc@...> escreveu
"casa_amadis_montpellier October 23, 2011 3:51 PM CASA AMADIS Lusophonie / Lusofonia CASA AMADIS Lusophonie / Lusofonia Messages inclus dans cette sélection (1 Message) 1. CESARIA ÉVORA, O ADEUS AO PALCO E O REGRESSO DE UMA LENDA De : Casa Voir tous les thèmes | Créer un nouveau thème Message 1. CESARIA ÉVORA, O ADEUS AO PALCO E O REGRESSO DE UMA LENDA Envoyé par : "Casa" amadis_montpellier@... amadis_montpellier Samedi 22. Octobre 2011 21:53 CESARIA ÉVORA, O ADEUS AO PALCO E O REGRESSO DE UMA LENDA «Mim já'm bá pa nha terra » « Sexta-feira», disse entrelaçando os dedos, um olhar de menino encabulado. E carregou : â€" « se Deus quiser! » Sexta-feira, 21 de outubro. Todos os argumentos foram poucos para convencer a Cise a atardar-se ainda algum tempo em Paris â€" simples precaução depois desse grande solavanco que a levou de urgência, sem fala e quase sem fôlego, ao hospital La Pitié-Salpétriè re. No primeiro dia deu água pela barba ao corpo médico que chegou a t(r)emer pela sua sobrevivência. Graças a Deus o pior também foi curto â€" uff ! De coração generoso, quem a conhece sabe que nunca foi de muitas falas, a Diva dos Pés Descalços. No palco canta e encanta, mas falar, nem por isso. Agora, não convém provocá-la: « Sabes, Cesária, que és a voz das as mulheres sem voz ? » E ela : - « Ah ! psuda !, mim nha voz ê d'meu! ». E outra vez : que mensagem tinha a passar às mulheres japonesas ? - « Ês bá desinrascá ! » Nem mais. É assim a Cise : se a sua humildade faz o seu charme, que dizer desse seu humor natural com que empolgou palcos e plateias? Com os amigos, Cise deixa falar o coração. Agora, se for para convencê-la de alguma coisa, melhor mesmo é passar ao largo! «Cis txa'me bá pa nha terra » - e ninguém fala mais nisso ! Se existe uma pessoa que funciona ao « feeling », essa pessoa é Cesária Évora. Autêntica e sincera, suas francas gargalhadas têm essa espontaneidade de criança que às vezes nos falta a nós-outros, submetidos que vivemos à ditadura da aparência que a vida em sociedade cruelmente nos impõe. Uma mulher de carácter, ou a força da humildade Mas não nos iludam as aparências ! Por trás dessa inocente serenidade existe uma mulher de pulso e de carácter, impondo-se por essa rara virtude que é a humildade, paradoxalmente o segredo e a fonte da sua força. Conta quem sabe que essa força « inocente » pode traduzir-se em caprichos nem sempre muito fáceis de gerir… disso falarão aqueles que, por razões profissionais ou afectivas, estejam investidos dessa missão. Na tarde do seu último domingo em Paris, no lar familiar onde se instalou para convalescer, ainda veio à baila, assim muito a medo pa'l ca bá chatiá, se não seria melhor esperar mais um pouco, o que achas Cise, antes de regressares de vez a Cabo Verde… E a mesma resposta categórica: - «Já m'crê bá'mbora, m'ca tem más nada k'fazê li». Traduzindo : a dúvida ao seu dono , eu cá já decidi. E ponto final! Escusado insistir. Nem mesmo a Fantcha, jovem cantora nossa, uma espécie de filha espiritual vinda para a ocasião da América, logrou ir mais longe. Uma amiga segreda-me ao ouvido, a propósito de uma feliz e inesperada visita : - « Um belo dia, ligou-me que ia a caminho da minha casa… quando au já desesperava de a convidar sem resultado ! Cise não se convida, é deixá-la que vem sozinha ». Caprichos de star ? Nada disso, Cise é assim mesmo! Nos anos oitenta, era ela uma cantora do Mindelo como tantas outras, e eu, jovem jornalista da Rádio, lembro-me ainda: o que não suávamos para conseguir levá-la ao estúdio para uma entrevista ! Melhor mesmo era ter à mão uma alternativa para a emissão, sabendo que tanto podia vir como não ! Mas caprichos de star, isso nunca ! Quanto mais não seja porque Cesária não era star nessa altura e sequer sonhava vir a sê-lo. E se hoje é quem é, nem por isso deixou de ser quem era! Por mais que falem dela em jornais e livros, que por onde passa as pessoas se extasiem e lhe estendam o tapete vermelho, Cesá ria nunca entrou na pele dessa vedeta planetária que ouve dizer que é! Tirando as rugas do tempo e os adornos em ouro que sempre afeccionou â€" e isso é muito caboverdeano, â€" quem a viu há 30 anos, assim a vê agora : igual a si mesma, fiel aos seus hábitos e aos amigos de sempre. Assim o enfatizou Christine Albanel, ministra da Cultura, ao outorgar-lhe, em nome do Presidente da República Francesa, a Legião de Honra em 2009 : « Ni vos nominations aux Grammy awards, ni vos Discs d'or, ni la présence de Madonna aux premiers rangs de vos concerts new-yorkais n'ont réussi à entamer votre authenticité, votre vérité qui ont forgé votre succès ». Com essa mesma simplicidade, agora inspirando alguma emoção por causa da doença, fomos encontrar a Cise no seu leito de hospital, eu e mais o encarregado de negócios António Lima. Éramos portadores de uma mensagem de Sua Excia o Presidente da República, Dr. Jorge Carlos Fonseca, que ela agradeceu, comovida quanto baste mas nem por isso envaidecida. Tampouco se envaidece de ter recebido uma carta do presidente Sarkozi. Cesária é simplesmente única. E as honras, cuidado porque, se mexem com ela, até as declina! Quem não se lembra do avião que ia levar o seu nome mas que ela recusou ir baptizar por, numa das suas viagens, lhe terem faltado as suas bagagens no desembarque? ! Fez finca-pé, disse que não ia - e não foi! Para os amigos, aqueles que convivem de perto com a Cise ou a frequentam na sua casa em S. Vicente, a coisa é outra : cachupada, bom humor, cavaqueira descontraٌí da. Visitar a Cesária, verdadeira « peregrinação » para certos fãs, é impregnar-se da morabeza caboverdeana. Aqueles que conheço regressaram embevecidos com a simplicidade dessa vedeta mundial de lenço e avental, servindo seus convidados como Cristo lavando os pés aos apóstolos ! Para os franceses (e não só), Cabo Verde é Cesária : quem não teve a felicidade de a ouviu cantar, decerto ouviu falar. Que resida em part-time na cidade-luz, seu « port d'attache » de onde partiu um dia à conquista do mundo com o seu canto mágico, é motivo de orgulho para eles. Um exemplo para seguir e reflectir A cada geração, seus filhos dilectos. Nossos filhos dirão que tivemos sorte em sermos testemunhas dessa formidável « victoire du talent sur la fatalité ». Não vou aqui recapitular este destino singular, ao mesmo tempo singelo e palpitante, que já deu tantos livros biográficos e que certos fãs já conhecem de cor. Para as gerações vindouras fica este legado vivo, gravado em vinil e não sei quantos CD's e outros tantos sucessos, a testemunhar que foi essa grande senhora, discreta e sem título, quem tirou Cabo Verde da penumbra do anonimato! Sirva de exemplo às gerações vindouras… E de lição aos deuses do Olimpo ! Que a vanglória de mandar não prime sobre o amor à terra daqueles caboverdeanos que carregam no ombro a bandeira desta grande Nação sem nada pedir em troca! Reflictam aqueles políticos e governantes que, carregados de títulos e brasões (de grandeza mais que de obra feita), andaram gaguejando pelo mundo (quando não entraram mudos e sairam calados !) enquanto Cesária e seus músicos seduziam multidões ! Que agora, no regresso à casa após ter bebido nos oásis do mundo que lhe abriram as portas, meditem aqueles que lhe recusaram uma caneca d'água quando, sozinha, atravessava o deserto das agruras da vida! Que a nossa « gente grande » se acalme na sua soberba, que a história não é feita somente de títulos e de poder, que estes vão passando, mas sobretudo de valores que perduram na memória e no tempo. Uma reforma bem merecida « Si ca bado ca ta birado ». Cumprida esta profecia de Nhô Eugénio, o poeta, e após ter frequentado « la cour des grands », é chegada a hora da reforma. Bem merecida é ela após uma vida inteira a cantar Cabo Verde e metade dela a levar Cabo Verde ao Mundo. Porque conquistar o mundo, Cise, convenhamos, é dose para leão. Lembras-te ? Entre as voltas que o mundo dá e as voltas que deste ao mundo, em 2008 já o coração havia acusado um primeiro choque : por pouco ia parando lá pela longínqua Austrália, nas antípodas do « Mindelo, nôs querido cantim ». Estoica te ergueste e continuaste a caminhada. Mas agora, descansá bô corp, vivê bô vida sem stress. E por favor, tmá bôs ramêd e largá kel cigarrim da mon. Kês "matutano" tambê. Sabes que ainda tens muito para dar : deixaste as tournées, que isso de andar pelo mundo não é brincadeira, mas sempre poderás, porque não, voltar aos palcos uma vez por outra. Os teus admiradores hão-de gostar e Cabo Verde agradece. Afinal, Cise, és a nossa bandeira. És um padrão a assinalar ao mundo inteiro que no meio do Atlântico existe um arquipélago com gente e com alma, que não apenas um produto exótico para consumo turístico e « outros » consumos para quem dá mais. Se acaso não merecesses o nosso carinho, ainda te devíamos a gratidão. Bom descanso na Tapadinha. Mantenhas da Terra-longe, 21 de outubro de 2011 David Leite