1.2.3. a capitulação de Macau 1966 (pt3)

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Luis Almeida Pinto
30 November at 21:52 ·

Um ‘cocktail’ de fatores na origem do “1,2,3” em Macau.

Meio século depois continuam a existir divergências sobre as causas dos chamados incidentes do “1,2,3” em Macau, um eco da Revolução Cultural chinesa gerado por um “cocktail” de fatores, como o descontentamento com a administração colonial portuguesa.

Na obra “Macau na Política Externa Chinesa (1949-79)”, publicada em 2006, o investigador Moisés Silva Fernandes divide em quatro as correntes de pensamento de autores portugueses sobre as causas dos incidentes do “1,2,3” — uma referência ao auge dos acontecimentos no dia 3 de dezembro (3/12) de 1966 –, um assunto ainda hoje considerado “tabu” na comunidade chinesa local.

A primeira atribui a ocorrência dos acontecimentos à tentativa gorada de reconhecimento e estabelecimento de relações diplomáticas com o regime de Pequim em 1964,

a segunda às atividades subversivas do Kuomintang (partido nacionalista derrotado na guerra civil chinesa) em Macau,

a terceira remete para a “incompetência política” da administração portuguesa

e a quarta “avalia os acontecimentos como um conflito entre uma classe média chinesa em ascendência e uma classe média macaense defensora do ‘status quo'”.

Para o jornalista José Pedro Castanheira, na obra “Os 58 dias que abalaram Macau”, publicada em 1999, tudo começou “com uma concentração de estudantes e professores junto ao Palácio do Governador” no dia 3 de dezembro.

A intervenção da polícia resultou em “manifestações um pouco por toda a cidade, acompanhadas de desacatos e tumultos de violência crescente, provocados pelos setores comunistas mais extremistas e radicais”.

Esses confrontos entre populares e polícia generalizaram-se, “edifícios públicos foram saqueados, estátuas derrubadas”, foram decretados a lei marcial e o recolher obrigatório.

Os motins continuaram até ao dia seguinte.

O saldo da agitação social foi de oito mortos e de mais de uma centena de feridos.

Fotos da época mostram marchas de jovens com o livro vermelho de citações de Mao Zedong, um dos símbolos da Revolução Cultural, em riste.

“Durante 58 dias, os setores comunistas mais radicais, inspirados pelos Guardas Vermelhos, impuseram a sua lei e a sua ordem no território até à satisfação integral das suas reivindicações e à capitulação do governador Nobre de Carvalho, obrigado a assinar um acordo humilhante para as autoridades portuguesas”, escreveu José Pedro Castanheira, resumindo o “1,2,3”.

O clima de tensão já tinha, contudo, começado dias antes.

Um “incidente menor”, como lhe chama Moisés Silva Fernandes, aconteceu na ilha da Taipa a 15 de novembro, “instigado pela elite chinesa do enclave para provocar um levantamento da comunidade chinesa afeta a Pequim contra a administração portuguesa”, uma “estratégia” que “falhou” apesar das “campanhas de propaganda”.

A página do “1,2,3” só se vira a 29 de janeiro de 1967, com os acordos, considerados humilhantes para o governo português de Macau.

“Num ar festivo, que inclui o uso de fogo-de-artifício, centenas de maoístas concentram-se junto ao edifício-sede da Associação Comercial para assinalar a cerimónia de assinatura dos documentos que põem fim à fase mais violenta da Revolução Cultural chinesa em Macau”, descreve a historiadora Beatriz Basto da Silva numa cronologia da história de Macau.

A Grande Revolução Cultural Proletária, que agitou a China de maio de 1966 até à morte de Mao Zedong 10 anos depois, pretendeu purgar a República Popular da “infiltração de elementos burgueses” nas estruturas do governo e da sociedade.

Por todo o país, os Guardas Vermelhos, na larga maioria grupos de adolescentes e jovens sempre acompanhados pelo “livro vermelho” com os ensinamentos de Mao, ocuparam todas as estruturas da sociedade para impor o novo modelo, enquanto milhões de estudantes e intelectuais foram enviados para os campos para “reeducação” pelo trabalho.

Milhões de pessoas sofreram humilhação pública, prisão arbitrária, tortura, confiscação de bens.

A tradição cultural milenar foi renegada, museus, monumentos e livros foram destruídos.

Estimativas colocam em 750.000 mortos o resultado da violência da Revolução Cultural.

DM // JMR

Lusa/Fim

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